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Se a internet revolucionou como consumimos sexo, por que estamos transando menos?

 
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Em 1903, dois imigrantes que chegaram aos Estados Unidos fugindo do Império Russo deram à luz a um sujeito chamado Gregory Pincus. Ninguém sabia ainda, mas Pincus seria considerado, décadas mais tarde, um gênio. Depois de se formar em biologia na Universidade de Cornell e defender com sucesso seu mestrado e doutorado na Universidade de Harvard, Pincus encontrou a grande área da biologia que o interessava: a reprodução e o papel dos hormônios nela.

Com 31 anos, Pincus foi um dos primeiros pesquisadores da história a conseguir extrair um óvulo de um ser vivo — no caso, um coelho —, armazená-lo em uma solução líquida, fertilizá-lo e devolvê-lo ao útero do animal. “Pincus estava décadas à frente do seu tempo. Mas, em vez de fama, o feito lhe trouxe notoriedade. O livro Admirável mundo novo, de Aldous Huxley, tinha acabado de ser publicado e a assustadora história dos bebês nascidos sem pais em um tubo de ensaio sem humanidade ou espírito capturou a imaginação do público. Pincus foi vilanizado na imprensa por sua descoberta. No New York Times e na revista Colliers, o pesquisador foi caracterizado como uma espécie de ‘Dr. Frankenstein’ que estava transformando ficção científica em realidade”, diz a PBS.

Mesmo tendo conseguido operacionalizar uma base da fertilização in vitro usada popularmente hoje, a vilanização lhe custou o emprego: Harvard demitiu Pincus do cargo de professor assistente. Demitido durante a Grande Depressão norte-americana por ter feito uma descoberta científica em um momento “errado”, Pincus passou a década seguinte tentando manter a carreira enquanto pagava os boletos. Após oito anos ensinando zoologia em uma universidade de menor prestígio, Pincus e outro pesquisador preparado em Harvard, ​​Hudson Hoagland, fundaram Worcester Foundation for Experimental Biology. Não que a vida fosse assim tão mais fácil: para economizar uma grana, Pincus era o chefe de pesquisa e o faxineiro do laboratório. Mas pelo menos ele tinha espaço e dinheiro para aprofundar as pesquisas em reprodução de mamíferos. E foi uma destas pesquisas no centro de estudos que tornou Pincus conhecido não apenas entre os biólogos, mas para o resto da humanidade.

Demorou quase outra década para que entrasse em cena outra pessoa fundamental. Margaret Sanger era uma enfermeira e ativista pelo direito das mulheres de controlarem quando e como engravidariam. Na teoria, Sanger imaginava algum tipo de fármaco, uma “pílula mágica”, que desse às mulheres essa capacidade. Em 1951, sete anos depois da fundação do Worcester Foundation for Experimental Biology, Sanger e Pincus se encontraram em um jantar e sentaram para conversar. Sanger contou o que imaginava e Pincus lhe explicou que ele e sua equipe já investigavam o uso de hormônios que inibiriam a ovulação. Entusiasmada, Sanger fez um pequeno investimento que permitiu que Pincus e sua colega Min-Chueh Chang começassem a sintetizar os hormônios e testá-los em animais. Em menos de um ano, a dupla provou que a progesterona funcionava em ratos e coelhos, mas era preciso um aporte maior para viabilizar os testes com humanos. Com o dinheiro curto de Sanger e a falta de interesse de outros laboratórios, o projeto estacionou por dois anos, até que Sanger pediu a ajuda da filantropa Katharine McCormick, herdeira após a morte do marido de uma fortuna construída com as primeiras colheitadeiras automáticas para agricultura.

Em 1953, o remédio ficou pronto e, um ano depois, os testes com humanas começaram em Massachusetts e seguiram para Porto Rico, Haiti e Cidade do México. Você já entendeu do que a gente está falando: em 1960, a FDA, responsável por avaliar novos remédios nos Estados Unidos, aprovou a comercialização da Enovid, a primeira pílula anticoncepcional da história. A pílula é tão importante para entendermos uma série de desdobramentos da sociedade nas últimas décadas que só de eu falar “a pílula”, sem explicar sua aplicação, você já entendeu do que se tratava. A pílula anticoncepcional entregou exatamente o que a Sanger imaginava: quem a toma tem um risco baixíssimo de engravidar (calcula-se que abaixo de 0,03%).

Ao desacoplar o sexo da reprodução, a pílula imaginada por Sanger, financiada por McCormick e executada por Pincus e Chang permitiu que as mulheres começassem a encarar o sexo não mais apenas como a forma como reproduzimos, mas também como uma fonte de prazer. Com a certeza de que o sexo não necessariamente geraria filhos, a pílula permitiu que as mulheres passassem a investigar — e, principalmente, descobrir — mais profundamente o próprio desejo. Há alguns anos a PBS fez um especial bastante interessante sobre a história da pílula, com detalhes saborosos sobre pesquisadores que conseguiram sintetizar o hormônio antes de Pincus e não entenderam o impacto do que tinham em mãos. Essa pesquisa é a história clássica de como inovações nunca são lineares e sempre tem algumas pessoas fazendo o mesmo que você.

A pílula é encarada não como o principal, mas como um dos pilares de um movimento recente bastante relevante para a discussão do episódio. Quando falamos de um momento da história de sexo livre, em que década você pensa? Incontáveis livros, filmes, documentários e outras expressões artísticas retrataram os anos 1960 e 1970, principalmente nos Estados Unidos, como este momento. A pílula ajudou bastante, mas em vez de desengatilhar um movimento sozinha, ela catalisou movimentações sociais que já existiam antes, como explica a jornalista e escritora focada em sexo Rachel Hills, em artigo escrito para a revista Time em 2014:

A revolução que nós associamos ao fim dos anos 1960 e começo dos anos 1970 foi mais uma evolução incremental: motivada tanto pela publicação do livro Married Love, por Marie Stopes, em 1918, ou pela descoberta de que a penicilina poderia ser usada para tratar sífilis em 1943, assim como pela aprovação da pílula pelo FDA em 1960.

Houve outros fatores que incentivaram essa revolução sexual nas décadas de 1960 e 1970: melhorias no acompanhamento obstétrico diminuíram sensivelmente a mortalidade durante o parto — de mães e bebês — e a prosperidade registrada pelos Estados Unidos após o fim da II Guerra Mundial deram aos nascidos após o fim do conflito — a geração conhecida como “baby boomers” — uma sensação de estabilidade. Não dá para desconsiderar também que nas décadas anteriores a academia passou a se interessar seriamente pelo tema, com pesquisadores precursores, como Alfred Kinsey e Wilhelm Reich, definindo as bases nas quais seriam fundadas uma área da ciência dedicada a estudar o sexo, a sexologia1.

Todos estes fatores se empilharam para mudar a forma como a sociedade, principalmente nos Estados Unidos, encarava, consumia e praticava sexo. Fora Woodstock e os hippies, um dos grandes símbolos dessa liberação sexual foi criado por um copywriter de 26 anos que comprou as fotos de um ensaio sensual de Marilyn Monroe e as lançou em uma revista em 1953. O sujeito era Hugh Hefner e a revista, a Playboy. O grande mérito da Playboy não foi vender papel com mulher pelada (isso já existia antes da publicação), mas usar a revista para projetar um estilo de vida do “homem moderno”, que envolvia desejo, relevância social e consumo. Não à toa, a Playboy virou uma máquina de dinheiro não só pela revista, mas pela ilusão que venderia a gerações de homens pelas décadas seguintes: a presença na Playboy Mansion, os carros, as roupas, as bebidas… Tudo saindo do seu bolso e indo para o de Hefner.

O papel da mulher nessa projeção da Playboy era quase sempre o de acessório, troféu. Revelações feitas décadas mais tarde mostraram que a ilusão vendida por Hefner era lastreada em crimes. Livros escritos por ex-funcionárias de empreendimentos da Playboy e até por ex-esposas de Hefner mostram como o circo da revista era uma máquina de estupros e assédios. E, ainda assim, a projeção criada pela Playboy povoou (povoa?) durante décadas a cabeça de centenas de milhões de homens pelo mundo.

É bom deixar claro que historiadores sexuais esclarecem que os anos 1960 e 1970 não foram a primeira revolução sexual nem do século, que dirá da história. Após o fim da I Guerra Mundial, quando “uma juventude flamejante enterrou a era Vitoriana e mergulhou na Era do Jazz”, como nos lembra novamente a escritora Rachel Hills. Pela história, são vários os momentos do que a Luciana Gimenez chamaria de “sexual awakening”, sociedades ao longo da história trataram o sexo, a sexualidade e tabus contemporâneos — como a monogamia — de maneiras que seriam hoje consideradas bastante progressistas. A Roma antiga entendia a sexualidade como indício de prosperidade. Visite qualquer museu com peças que remetam ao período para ver pinturas, esculturas e cerâmicas com corpos nus e orgias.

Um dos mantras do Tecnocracia é que tecnologia não age sozinha e nem no vácuo — fatores sociais podem acelerar sua adoção e, no sentido contrário, sua adoção tem efeitos na sociedade. A revolução sexual das décadas de 1960 e 1970 só aconteceu pelo alinhamento de uma batelada de fatores, tecnológicos, como a pílula e a penicilina contra DTSs, e sociais, como a bonança experimentada pelos baby boomers. E depois? Houve, claro, questões muito impactantes que alteraram a forma como a sociedade pensa e trepa — notoriamente, a AIDS na década de 1980 freou o sentimento ainda pulsante das décadas anteriores e introduziu a camisinha na vida de solteiros e solteiras2.

E aí chegou a internet.

Qualquer um que tenha passado tempo suficiente conectado já ouviu uma frase apócrifa que circula desde que comunidade online era no IRC: “Internet is for porn.” O genial xkcd atualizou o meme ao cunhar a Regra 34: se você pode imaginar, existe uma versão pornográfica online. Canalizar o tesão de bilhões de pessoas por serviços que usam texto, vídeos e fotos tiradas pela própria câmara e mediados pelo GPS do celular altera profundamente a forma como consumimos, pensamos, falamos sobre, fazemos e produzimos sexo. Porque sexo não é só tirar a roupa, bonitinho e bonitinha: a maneira como a gente consome, é estimulado(a) e, principalmente, pensa a respeito exerce enorme influência ao tirar a roupa — ou dar só aquela afastadinha de lado.

No décimo primeiro episódio da quarta temporada do Tecnocracia, a gente vai dar um tempo nos assuntos habituais para seguir o conselho que o Salt’N Pepa dá desde a década de 1990: a gente vai falar de sexo. A cada quinze dias (às vezes um pouco mais, às vezes muito mais), o Tecnocracia larga mão da distopia digital para falar sobre safadeza e a forma como switchers, servidores e linhas de código impactam diretamente a missão primordial de qualquer ser vivo nesta Terra: crescer e multiplicar-nos. Eu sou o Guilherme Felitti e o Tecnocracia está na campanha de financiamento coletivo do Manual do Usuário. A partir do plano II, você ouve o Balcão uma vez por mês (às vezes mais), ganha o adesivo e faz parte do grupo fechado no Telegram. Custa a partir de R$ 16 reais por mês, bem mais barato do que aquele plano do OnlyFans. Bom deixar claro que este gasto vai ter bem menos mamilo que aquele, mas são duas coisas completamente diferentes.

Como ao estabelecer intimidade sexual pela primeira vez com alguém, definamos as regras: este episódio não tem uma gota de moralismo. Sexo é essencial e deve ser feito por gente solteira, casada, viúva, desquitada — por todos. Não é surpresa nenhuma para quem já ouviu outros episódios do Tecnocracia, mas os dogmas religiosos não têm espaço por aqui. Dá para fazer ótimo sexo sem ter amor, mas não dá para fazer sem a concordância expressa de todos os envolvidos. Sexo não precisa sempre sentimento, mas oconsentimento é essencial. Se dois adultos capazes e mentalmente saudáveis concordam em fazer algo com fim sexual que não quebra nenhuma lei, isso é sexo válido, independente se envolvem só homem, só mulher, homem com mulher, um, dois, três ou dez. O desejo sexual é complexo e nós precisamos entendê-lo como tal.

São tantos os impactos da internet no sexo que eu resolvi agrupá-los em dois: a Fantasia e a Interação. Comecemos pela Fantasia. Nunca foi tão fácil consumir dois, três ou mais seres humanos engajando em qualquer tipo de atividade sexual (friso o “qualquer”). A capacidade de transmitir instantaneamente vídeo pela internet significa que você está a poucos segundos de uma quantidade quase infinita de conteúdo sobre qualquer tara, fetiche ou perversão sexual. Os estúdios até tentaram replicar as gravadoras contra o Napster, mas não deu certo: XVideos, YouPorn, Pornhub, Bellesa, xHamster, Eporner, SpankBang, YouJizz, RedTube, PornTrex, Beeg, PornGo e PornHD3 são repositórios lotados de conteúdo sobre BDSM, MILF, roleplay, pé, pernas, bundas, peitos, rolas, mão, cabelo, camel toe, cuckold, cuckquean, shibari, exibicionismo, pegging, comida, oral, vaginal, anal, suor, bukakke, swing, hurtcore, em público, massagem, gravidez, bear, submissão, Tamakeri, látex, botas, boy or girl next door, músculos, barba, imberbe, balões (eu sei…), sovaco, hotwives, daddys, asiáticos, ASMR, transgêneros, umbigo, ahegao, furry, joi, porra… A lista tende ao infinto.

Quais os efeitos que esta pornografia instantânea tem na psique humana? Na teoria, ter contato instantâneo com fetiches tão específicos pode incentivar o público mais baunilha a consumir — e, talvez lá na frente — experimentar coisas mais ousadas4. Às vezes um vídeo sobre shibari é o suficiente para o casal se arriscar. Mas também tem outro impacto, um menos legal. Tal qual o grupo bolsonarista de onde seu tio não sai o dia todo, a maioria do conteúdo pornográfico vende uma realidade paralela. O modelo de sexo praticado em 99% da pornografia tem um foco só: o homem. Tradicionalmente, estúdios pornográficos sempre foram negócios geridos por homens e produziram conteúdo focado em homens, o que faz com que mais homens comprem esse sexo fictício e a roda reinicie. Homens dão ordens e mulheres são estrelas, mas o tratamento está longe de ser exemplar.

O homem que se aventura no mundo buscando na vida real o sexo das telas vai ter uma enorme decepção — o sexo do pornô está para o sexo da vida real como os filmes do Rambo estão para a guerra de verdade. Frustrado, é fácil buscar guarida no catálogo quase infinito de opções. Há sempre algo novo a se ver, algum estímulo que vai te excitar. O consumo excessivo de pornografia pode se desenvolver para um vício capaz de tornar a pessoas não funcional. A pornografia, neste estado, funciona como um ninho confortável para onde se foge quando a vida lhe impõe alguma dificuldade. “Acho que eu dependia da pornografia como um tipo de muleta emocional. Se algo ruim acontecesse, eu buscava o pornô, já que ele sempre estaria lá. Eu sabi que era ruim para mim, mas também entendi que era ruim para as mulheres com quem eu estava envolvido”, explica Alexander Rhodes, programador dos EUA que criou um grupo para alertar a sociedade sobre os riscos do consumo excessivo de pornografia. Dado que a vida sempre vai trazer dificuldades e o volume de pornografia online só cresce, a tentação pode ser grande demais.

Eu quero tomar cuidado ao discutir o assunto para não passar aquela ideia que poderia sair da boca da sua tia carola: os dados não mostram que estar mais exposto à pornografia transforma a pessoa num maníaco sexual ou em um viciado em pornografia. Assim como o vício em outras substâncias, o conteúdo sexual ocupa — e toma — um vazio já existente. Em 2017, a jornalista Lux Alptraum escreveu um editorial para o jornal New York Times explorando alguns destes pontos após cobrir o mercado da pornografia online para o blog Fleshbot por seis anos: “Ainda que o consumo de pornografia tenha se tornado um hábito comum, nós continuamos o tratamento como se fosse algo exótico e inerentemente perigoso à nossa saúde e felicidade […] Mas os dados de uso sugerem que nossos hábitos pornográficos são mais utilitários. Site pornô mais popular do mundo (em 2017), o PornHub afirma que o tempo médio gasto no site é menos de 10 minutos — menos da metade da duração média de uma cena pornô.”

A parte mais importante vem agora:

Isto não quer dizer que pornografia é inteiramente benigna ou que seu impacto nas nossas vidas sexuais seja apenas positiva. Existe algo de verdadeiro na alegação antipornô de que ela impacta a imaginação e a sexualidade dos jovens. Mas isso está amplamente conectado ao fato de que pornografia — que, mesmo sendo às vezes educacional, é mais frequentemente uma fantasia incorreta — é consumida em uma cultura onde a educação sexual é mínima, baseada no medo e constantemente errada; onde pais tratam conversas sobre sexo como uma tarefa vergonhosa que precisa acabar o mais rápido possível; e onde cultura pop promove uma confusa dicotomia entre a virgem e a puta que encoraja a exploração sexual enquanto demoniza ‘promiscuidade’. Dado tudo isso, não surpreende que pornô deixe os jovens confusos ou assustados e que isso impacte negativamente sua capacidade de se relacionar com futuros parceiros. Mas isso diz menos a respeito da natureza da pornografia do que os perigos de uma cultura que delega algo tão importante e essencial como educação sexual para uma indústria dedicada a moldar fantasia e entretenimento.

Para retomar o nome da categoria, fantasia é fundamental na vida. Não apenas no sexo, mas fantasiar sexualmente faz parte de uma vida saudável — os jogos de “roleplay” que casais fazem é uma fantasia acordada. Essa fantasia só é saudável quando seus limites são claros, quando ela não trabalha contra a própria realidade.

Em 2022, a Organização Mundial de Saúde reconheceu como “desordem de controle impulsivo” a “desordem de comportamento sexual abusivo”.

Esse repositório infinito de pornografia também deu um empurrão em estúdios e tendências que fogem ao padrão “putaria para homem”. Em 2004, a sueca Erika Lust ajudou a desencadear um movimento de pornografia para mulheres com projetos como o XConfessions. Se você quiser repensar seu consumo de pornografia, do ponto de vista psíquico já existem terapeutas especializados na área e do ponto de vista de conteúdo, além da onda puxada por Lust. A Netflix produziu um documentário que mostra como a indústria do pornô seleciona e recompensa estrelas. Chama Hot girls wanted e é um murro no estômago.

Ao mesmo tempo em que nunca foi tão fácil consumir pornografia, nunca foi tão fácil entender o que, no escurinho da intimidade, a galera consome sem o julgamento alheio. Os dados apontam algumas tendências bem interessantes. Um dos maiores sites de pornografia do mundo, o PornHub publica todo fim do ano um resumo baseado em dados sobre como cada país do mundo viu pornografia (talvez pela pandemia, eles pularam 2020). Os relatórios de 2019 e 2021 trazem um monte de informações relevantes, a começar pelo termo mais buscado. Quer tentar adivinhar? Eu aposto um balde de sorvete de cupuaçu que você não acerta.

Em 2021, “hentai” foi o mais buscado. Eu não acertaria se chutasse. Mas tem um outro ponto que todo ano me chama atenção: conteúdos estrelados por pessoas transgênero são mais consumidos no Brasil, um país que ocupa uma vergonhosa alta posição entre os que mais matam transgêneros no mundo, segundo dados do Trans Murder Monitoring de 2020, do que a média dos outros países. Em 2019, era o dobro da média mundial. Em 2021, a busca por “trans” aumentou 74%.

Agora, se tem um ponto da categoria Fantasia que me chama atenção é que, antes, nós consumidores só ficávamos olhando. Tal qual entretenimento, fotos, músicas e blogs, a pornografia também foi atingida pelo movimento “do it yourself” (“faça você mesmo”). A Playboy implodiu sob o peso de um modelo de negócio falido e foi substituída pelo Instagram (onde celebridades continuam saindo na mídia, agora com um pouco mais de roupa) ou por ensaios nus com fotógrafos consagrados (Jorge Bispo parece ser o principal deles). E a pornografia mais explícita? Os estúdios grandes ainda existem, mas agora sob a pressão da produção caseira: pessoas comuns que criaram negócios a partir da rotina sexual que qualquer ser humano tem.

Nenhum serviço melhor representa esse movimento que o OnlyFans. No OnlyFans você cria um perfil, define o valor da assinatura mensal e passa a publicar vídeos e fotos seu ou sua, sozinho(a) ou das suas fodas domésticas. Fundado por dois irmãos britânicos em 2016 — Tim e Tom Stokely —, com um aporte de £ 10 mil do próprio pai, o OnlyFans teve sua participação majoritária comprada pelo Leonid Radvinsky dois anos depois. A partir daí, o site se tornou uma máquina de imprimir dinheiro. Em 2020, o OnlyFans faturou £ 1,7 bilhão, quase R$ 11 bilhões, aumento de 615% em comparação ao ano anterior. A pandemia, vamos lembrar, forçou trabalhadores sexuais a encontrar desesperadamente uma nova fonte de renda. O OnlyFans foi o principal beneficiado, com 69 milhões de novos usuários ativos. A maior parte desse valor vultuoso vai para os bolsos das pessoas: todo dólar que entra na plataforma rende ao OnlyFans US$ 0,20. Ou seja: em 2020, a operação embolsou 2 bilhões de reais. Em dividendos a acionistas, o valor foi além dos R$ 100 milhões. Nada mal para uma empresa que tem apenas mil empregados.

O montante é outro indicativo da mudança sísmica promovida pelo OnlyFans: ao desentermediar o consumo de pornografia — o(a) produtor(a) vende direto para consumidores —, o OnlyFans “colocou o entretenimento adulto nas mãos dos próprios entertainers”5, como bem resume o jornal New York Times. O voyeurismo é uma parte natural do tesão humano O OnlyFans abriu um caminho para alimentá-lo, sem financiar uma indústria escrota como os estúdios pornográficos tradicionais.

Falamos sobre Fantasia. Agora vamos para a segunda categoria: Interação. A gente vai falar de aplicativos e aqui vale a mesma questão da pílula: eu nem preciso explicar a que tipo de aplicativos me refiro para você entender do que estamos falando. O grande mérito do movimento iniciado pelo Tinder em 2012 foi convencer a sociedade de que buscar parceiros pela internet não era coisa de gente velha e/ou excêntrica.

O Tinder é o caso raro de inovação que toma o mercado ao ser parido do ventre de quem já o dominava: o aplicativo nasceu em um hackaton6 interno de funcionários da InterActiveCorp, dona do Match.com. Antes do Tinder, já existiam incontáveis sites do tipo, a começar pelo próprio Match.com. Ao gameficar a busca por sexo e/ou companhia, o Tinder ajudou a mudar a forma como a sociedade se pareia e gerou um punhado de apps similares com uma ou outra mudança ou explorando nichos específicos.

Para notar o tamanho da mudança, vamos voltar ao momento em que seu avô e sua avó se encontraram pela primeira vez e arrepios correram por suas espinhas. Ou não, existe a grande chance de que houvesse algo arranjado para uma menina cujo sistema reprodutor acabara de amadurecer. Em 1940, cerca de 80% dos casais se formavam por indicações da família e/ou amigos ou por terem estudado juntos no colégio. Hoje, dois terços dos casais se conheceram pela internet ou em bares, segundo um estudo conduzido pelos pesquisadores Michael Rosenfeld e Sonia Hausen, da Universidade de Stanford University e Reuben Thomas, da Universidade do Novo México. Visto em gráfico, os dados desde a década de 1940 mostram de forma ainda mais clara a mudança radical. A partir de 2010, a internet se torna o principal meio pelo quais casais heterossexuais se conhecerem. Como bem resumo o jornalista da The Atlantic, Derek Thompson: “Nós costumávamos, como sociedade, depender de pessoas próximas para selecionar futuros parceiros. Hoje, este é um trabalho que nós mesmos fazemos.” A versão mais atual do estudo é de 2019. Estou curioso para ver o impacto que a pandemia e o pós-pandemia tiveram nos dados.

Gráfico de como casais se conhecem, com a linha da internet inclinando para cima a partir do final dos anos 2000.
Como casais se conhecem ao longo das décadas.

Há uma outra maneira de ver os mesmos dados: separando por orientação sexual. Aí, salta aos olhos um ponto: a internet já era usada majoritariamente por casais não-héteros uma década antes dos héteros. Fora o fato de ter menos potenciais parceiros, é fácil entender o porquê: quando o seu tesão é rejeitado pela sociedade, você precisa encontrar maneiras mais “escondidas” de procurar parceiros. Antes do Tinder, do Plenty of Fish e, especialmente, do Grindr, toda cidade do interior de São Paulo tinha um bar escondido, quase sempre longe do centro, que todo mundo sabia que era onde gays e lésbicas se encontravam. A dificuldade de se encontrar criava um ecossistema, códigos de comunicação e ambientes próprios. A coesão da comunidade era necessária para sua sobrevivência. A internet mudou isso. Hoje é possível se agrupar virtualmente em comunidades para procurar parceiros sem o risco de “ser descoberto(a)” e sofrer consequências físicas (inclusive com risco de morte). Neste caso, a internet é sinônimo de sobrevivência.

Gráfico de como casais do mesmo sexo se conheceram, com “online” despontando e respondendo por 70% dos encontros hoje.
Como casais do mesmo sexo se conhecem nos Estados Unidos.

Essa mudança de paradigma — de estourar a bolha ao nosso redor e nos colocar em contato com círculos sociais com os quais normalmente não teríamos contato — tem lá seus custos. Ao entrar num aplicativo pela primeira vez, você é só ânimo. Ao voltar aos aplicativos, o pêndulo balança entre um ânimo menor e um certo cansaço. Ao te colocar em contato com tanta gente nova ao mesmo tempo, Tinder, Bumble, Grindr, Her, Happn, Inner Circle, Badoo, OK Cupid, Hinge, Plenty of Fish e Coffee Meets Bagel te colocam na rodinha de hamster: estamos sempre contando nossa história, repetindo desde o início os episódios, os causos, e por mais que no começo seja um exercício até de autoconhecimento interessante, eventualmente isso enche o saco. Existe sempre o risco de, após horas conversando com alguém, você descobrir algo que irremediavelmente te brocha. Aí vai para os próximos. O sucesso está no volume, mas o segredo do sucesso no volume é a paciência.

Todo mundo que já passou períodos de tempo nos aplicativos tem histórias, entre divertidas e assustadoras, para contar, principalmente de trombar com gente radicalmente diferente de você (mesmo de círculos sociais distantes, espera-se o mínimo de similaridade). Aplicativos de pegação são marketplaces: tem gente para todos os gostos. É óbvio que, naquela imensidão, não é todo mundo que vai te agradar. Só que, nessa trabalheira inicial, você vai aos poucos entendendo as regras e filtrando melhor potenciais casos de gente com quem você definitivamente não quer contato.

“Ah Guilherme, mas só tem gente que quer sexo nos apps.” Não necessariamente. Claro, é muito fácil achar alguém para trepar, mas procurando bem encontra-se gente para construir relação. Eu e minha mulher nos conhecemos no aplicativo. (Dica: o Bumble, fundado por ex-funcionárias do Tinder e com um proposta, a priori, “feminista”, costuma produzir matches melhores que o Tinder.) Marketplace é isso: tem o que você procura. Às vezes só tem que buscar um pouco mais. E aqui entra uma conclusão baseada tanto na minha experiência como nos relatos de amigas solteiras: se você é um homem hétero ou bi que sabe conversar minimamente (citar Jordan Peterson ou dizer “você também é liberal? Gosta dos austríacos?” não é conversar, bonito), tem interesses além do trabalho e sabe lidar minimamente com os próprios sentimentos, então você estará em alta demanda — qualquer mulher que já tenha frequentado os apps pode confirmar.

O Tinder também mostrou que existe espaço para explorar orientações, fetiches e taras específicas em aplicativos mais específicos. Tinder, Bumble e Happn aceitam qualquer tipo de orientação sexual, mas se você, homem, quer algo dedicado, tem o pioneiro Grindr. Curte um urso? Baixa o Growlr. Mulher procurando mulher? Tem o HER, o Zoe e o Scissr. Casais que queiram transar com um(a) terceiro(a) ou fazer troca? O 3der e o Feeld servem. Só quer pegar gente de esquerda? Lefty. Namorar quem pedala? BikerKiss. Quer um fazendeiro ou uma cowgirl? FarmersOnly. Só quer quem tem os mesmos produtos dentro da geladeira? Refrigerdating. A chance de encontrar pessoas que te atraem para dividir a cama ou a vida nunca foi tão alta.

Capa da revista Época, com uma mulher com os pés parcialmente amputados e a chamada: “Usei um anticoncepcional que quase me matou. O tratamento necrosou meus dedos dos pés. Tiveram que ser amputados.”

Vamos voltar à história do começo: a pílula inventada pelo Pincus impactou diretamente a vida de milhões de mulheres nas últimas décadas, mas para algumas delas o impacto foi além do sexo. O que ainda não se sabia em 1950 é que bombardear o corpo feminino com hormônios sintetizados artificialmente pode ter consequências terríveis e eu não estou falando de inchaços nos seios ou dores de cabeça. Para algumas mulheres, a pílula aumenta consideravelmente o risco de coágulo sanguíneo, trombose e AVC, questões relacionadas ao sistema circulatório. Em 2014, a revista Época publicou reportagem da jornalista Cristiane Segatto sobre o assunto. Na capa, uma funcionária pública mostrava o toco dos pés após perder os dedos necrosados por problemas causados pelo consumo da pílula. Um dos mantras do Tecnocracia é que nenhuma tecnologia atua no vácuo: ela produz efeitos e consequências ao ser adotada. Pode demorar um pouco, mas os desdobramentos inesperados sempre aparecem.

A gente já falou de algumas das consequências da forma como a internet impactou o sexo. Há o vício em pornografia, apoiado no volume quase infinito. Mas tem uma outra questão que, analisada com cuidado, não parece fazer o menor sentido. O tanto de ferramenta que facilita o contato e o tanto de conteúdo gratuito e instantâneo para atiçar a curiosidade, logicamente, parecia indicar uma era de ouro do sexo. Na prática, acontece o contrário: “O número médio de parceiros sexuais dos adultos nascidos nos anos 1980 e 1990 é o mesmo que o dos nascidos entre 1946 e 1964, de acordo com estudo publicado pelo jornal acadêmico Archives of Sexual Behavior”, diz reportagem do Los Angeles Times. Ao isolar os efeitos geracionais, a pesquisa descobriu que os baby boomers tiveram em média 11 parceiros na vida toda, contra 8 dos millennials.

O fato de o estudo ter sido publicado em 2015 merece atenção, mas seguidos estudos divulgados posteriormente para países além dos Estados Unidos chegam a conclusões parecidas: em 2017, estudo liderado pela pesquisadora Jean Twenge, do departamento de psicologia da Universidade Estadual de San Diego, sugeriu que, no último século, os millennials foram os que menos treparam enquanto os mais sexualmente ativos foram os nascidos nos anos 19307. Os suecos, holandeses e britânicos, segundo estudos locais, também estão menos carnais.

Mesmo com todas as ferramentas, a nossa geração, na média, trepa menos que a geração dos nossos pais e dos nossos avós, algo que a revista The Atlantic chamou de “recessão de sexo”: “Adolescentes estão começando suas vidas sexuais mais tarde. De 1991 a 2017, a porcentagem de estudantes do colegial que tiveram sexo caiu de 54% para 40%, segundo a Pesquisa sobre Comportamentos de Risco dos jovens, organizada pelo CDC [a Anvisa dos EUA]. Em outras palavras, no espaço de uma geração, o sexo deixou de ser algo que a maioria dos estudantes tinha experimentado para algo que a maioria não experimentou. E não, eles não estão praticando sexo oral no lugar — a taxa não mudou tanto”, diz a reportagem.

O que ajuda a explicar? Pesquisadores têm algumas teorias. Para começar: em 1930, a noção de consentimento não estava tão clara como na última década. Segue a reportagem da Atlantic: “Taxas de abuso sexual infantil têm caído pelas últimas décadas e abuso pode levar para comportamentos sexuais tanto precoces como promíscuos. Algumas pessoas hoje podem se sentir menos pressionadas a transar quando não querem, graças à mudança dos costumes de gênero e à crescente conscientização sobre diversas orientações sexuais, incluindo a assexualidade. Talvez mais pessoas estejam priorizando estudo e trabalho sobre amor e sexo, pelo menos por um tempo. Ou talvez eles estejam sendo mais cuidadosos em escolher um parceiro de vida — se for o caso, bom para eles.”

Não parece haver uma teoria unificadora: sexólogos, psicólogos, economistas, sociólogos, terapeutas, educadores sexuais e jovens adultos ouvidos pela Atlantic levantaram as mais diversas teorias: a culpa é da crise econômica, “das crescentes taxas de ansiedade, da fragilidade psicológica, do uso generalizado de antidepressivos, do streaming, da queda dos níveis de testosterona, do pornô, da era de ouro do vibrador, dos aplicativos de namoro, do carreirismo, dos celulares, do ciclo de notícias, da sobrecarga de informações em geral, da privação do sono, da obesidade…” Tudo é causa, nada é causa.

Gráfico mostrando percentual de pessoas de 18 a 30 anos que não transaram no último ano. Homens lideram com 28% no ano mais recente (2018).
Homens jovens lideram o declínio do sexo.

Mas tem um recorte aqui que merece atenção: a faixa etária que conduz essa recessão de sexo é composta por pessoas entre 18 e 29 anos, segundo a General Social Survey, pesquisa a partir do qual a pesquisadora Jean Twenge faz suas análises. Entre 2008 e 2018, a taxa daqueles que estão nesta faixa e não transam há um ano dobrou e chegou a 23% do público. Quebrado por sexo, o dado é ainda mais assustador: no mesmo período, a taxa de homens jovens que não transam triplicou para 28%. A cada 10 homens de até 30 anos, 3 não tiveram contato íntimo no último ano, segundo reportagem do Washington Post. A própria Twenge tenta explicar conectando a queda nas relações estáveis ao crescente desemprego, às altas taxas de homens jovens morando com os pais e ao “excesso” de distrações tecnológicas. “Existem mais coisas a se fazer 10 horas da noite hoje do que há 20 anos.” Não sei se eu sou velho, mas que frase triste, puta merda.

Por fim: lá no começo do episódio eu citei dois teóricos da primeira metade do século 20 que passaram a aprofundar estudos sobre o papel que o sexo tem na sociedade contemporânea. Um é o Kinsey, outro é o Wilhelm Reich. Seguidor do Freud, o Reich escreveu um livro em 1927 chamado A função do orgasmo, no qual ele alega que a libido e essa potência orgástica que todos carregamos, em vez de ser sufocada e encarada com vergonha, funciona como um pilar da nossa saúde mental. Que essa força que todos carregamos pode ser fundamental para ajudar em momentos de angústia profunda. Em trabalhos nos anos seguintes, inclusive, o próprio Reich costurou melhor essa interseção entre psiquismo e a ascensão de governos autoritários, argumentando que movimentos fascistas se constituem e são alimentados pela repressão sexual.

Mentor de Reich, Freud já tinha deixado claro que humanos se equilibram entre duas pulsões, a de vida e a de morte. Atividades prazerosas alimentam a pulsão de vida e, ainda que não seja a única, sexo é uma das principais. Isso é natureza humana, independente se temos smartphone no bolso ou não. Como a gente falou o episódio inteiro, a tecnologia introduziu enormes mudanças sobre como pensamos, discutimos, consumimos, produzimos e fazemos sexo. Ela precisa ser utilizada para nos colocar em contato com esta pulsão de vida. A gente pode até tentar replicar sexo remotamente em momentos difíceis, como a quarentena, mas ele só se executa no mundo real. Eu vou acompanhar com atenção estes dados sobre a recessão sexual pelos próximos anos para ver se não estamos vendo só algo momentâneo, mas parece existir um consenso até agora que toda a tecnologia ajuda, mas, no fim das contas, não resolve sozinha, mesmo que o assunto seja gozar.

  1. Se livro acadêmico não é sua praia, o Liam Neeson interpreta o Kinsey num filme homônimo muito bom de 2004.
  2. Ou pelo menos deveria ter introduzido.
  3. Para citar alguns.
  4. Na sexologia, “baunilha” é o termo usado para definir pessoas ou casais habituadas apenas às práticas sexuais mais convencionais.
  5. Pronúncia tá correta, Lu?
  6. Taí um raro hackaton que rendeu alguma coisa fora campanhas de PR e promessas vazias.
  7. E você achando sua avó careta…

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Em 1903, dois imigrantes que chegaram aos Estados Unidos fugindo do Império Russo deram à luz a um sujeito chamado Gregory Pincus. Ninguém sabia ainda, mas Pincus seria considerado, décadas mais tarde, um gênio. Depois de se formar em biologia na Universidade de Cornell e defender com sucesso seu mestrado e doutorado na Universidade de Harvard, Pincus encontrou a grande área da biologia que o interessava: a reprodução e o papel dos hormônios nela.

Com 31 anos, Pincus foi um dos primeiros pesquisadores da história a conseguir extrair um óvulo de um ser vivo — no caso, um coelho —, armazená-lo em uma solução líquida, fertilizá-lo e devolvê-lo ao útero do animal. “Pincus estava décadas à frente do seu tempo. Mas, em vez de fama, o feito lhe trouxe notoriedade. O livro Admirável mundo novo, de Aldous Huxley, tinha acabado de ser publicado e a assustadora história dos bebês nascidos sem pais em um tubo de ensaio sem humanidade ou espírito capturou a imaginação do público. Pincus foi vilanizado na imprensa por sua descoberta. No New York Times e na revista Colliers, o pesquisador foi caracterizado como uma espécie de ‘Dr. Frankenstein’ que estava transformando ficção científica em realidade”, diz a PBS.

Mesmo tendo conseguido operacionalizar uma base da fertilização in vitro usada popularmente hoje, a vilanização lhe custou o emprego: Harvard demitiu Pincus do cargo de professor assistente. Demitido durante a Grande Depressão norte-americana por ter feito uma descoberta científica em um momento “errado”, Pincus passou a década seguinte tentando manter a carreira enquanto pagava os boletos. Após oito anos ensinando zoologia em uma universidade de menor prestígio, Pincus e outro pesquisador preparado em Harvard, ​​Hudson Hoagland, fundaram Worcester Foundation for Experimental Biology. Não que a vida fosse assim tão mais fácil: para economizar uma grana, Pincus era o chefe de pesquisa e o faxineiro do laboratório. Mas pelo menos ele tinha espaço e dinheiro para aprofundar as pesquisas em reprodução de mamíferos. E foi uma destas pesquisas no centro de estudos que tornou Pincus conhecido não apenas entre os biólogos, mas para o resto da humanidade.

Demorou quase outra década para que entrasse em cena outra pessoa fundamental. Margaret Sanger era uma enfermeira e ativista pelo direito das mulheres de controlarem quando e como engravidariam. Na teoria, Sanger imaginava algum tipo de fármaco, uma “pílula mágica”, que desse às mulheres essa capacidade. Em 1951, sete anos depois da fundação do Worcester Foundation for Experimental Biology, Sanger e Pincus se encontraram em um jantar e sentaram para conversar. Sanger contou o que imaginava e Pincus lhe explicou que ele e sua equipe já investigavam o uso de hormônios que inibiriam a ovulação. Entusiasmada, Sanger fez um pequeno investimento que permitiu que Pincus e sua colega Min-Chueh Chang começassem a sintetizar os hormônios e testá-los em animais. Em menos de um ano, a dupla provou que a progesterona funcionava em ratos e coelhos, mas era preciso um aporte maior para viabilizar os testes com humanos. Com o dinheiro curto de Sanger e a falta de interesse de outros laboratórios, o projeto estacionou por dois anos, até que Sanger pediu a ajuda da filantropa Katharine McCormick, herdeira após a morte do marido de uma fortuna construída com as primeiras colheitadeiras automáticas para agricultura.

Em 1953, o remédio ficou pronto e, um ano depois, os testes com humanas começaram em Massachusetts e seguiram para Porto Rico, Haiti e Cidade do México. Você já entendeu do que a gente está falando: em 1960, a FDA, responsável por avaliar novos remédios nos Estados Unidos, aprovou a comercialização da Enovid, a primeira pílula anticoncepcional da história. A pílula é tão importante para entendermos uma série de desdobramentos da sociedade nas últimas décadas que só de eu falar “a pílula”, sem explicar sua aplicação, você já entendeu do que se tratava. A pílula anticoncepcional entregou exatamente o que a Sanger imaginava: quem a toma tem um risco baixíssimo de engravidar (calcula-se que abaixo de 0,03%).

Ao desacoplar o sexo da reprodução, a pílula imaginada por Sanger, financiada por McCormick e executada por Pincus e Chang permitiu que as mulheres começassem a encarar o sexo não mais apenas como a forma como reproduzimos, mas também como uma fonte de prazer. Com a certeza de que o sexo não necessariamente geraria filhos, a pílula permitiu que as mulheres passassem a investigar — e, principalmente, descobrir — mais profundamente o próprio desejo. Há alguns anos a PBS fez um especial bastante interessante sobre a história da pílula, com detalhes saborosos sobre pesquisadores que conseguiram sintetizar o hormônio antes de Pincus e não entenderam o impacto do que tinham em mãos. Essa pesquisa é a história clássica de como inovações nunca são lineares e sempre tem algumas pessoas fazendo o mesmo que você.

A pílula é encarada não como o principal, mas como um dos pilares de um movimento recente bastante relevante para a discussão do episódio. Quando falamos de um momento da história de sexo livre, em que década você pensa? Incontáveis livros, filmes, documentários e outras expressões artísticas retrataram os anos 1960 e 1970, principalmente nos Estados Unidos, como este momento. A pílula ajudou bastante, mas em vez de desengatilhar um movimento sozinha, ela catalisou movimentações sociais que já existiam antes, como explica a jornalista e escritora focada em sexo Rachel Hills, em artigo escrito para a revista Time em 2014:

A revolução que nós associamos ao fim dos anos 1960 e começo dos anos 1970 foi mais uma evolução incremental: motivada tanto pela publicação do livro Married Love, por Marie Stopes, em 1918, ou pela descoberta de que a penicilina poderia ser usada para tratar sífilis em 1943, assim como pela aprovação da pílula pelo FDA em 1960.

Houve outros fatores que incentivaram essa revolução sexual nas décadas de 1960 e 1970: melhorias no acompanhamento obstétrico diminuíram sensivelmente a mortalidade durante o parto — de mães e bebês — e a prosperidade registrada pelos Estados Unidos após o fim da II Guerra Mundial deram aos nascidos após o fim do conflito — a geração conhecida como “baby boomers” — uma sensação de estabilidade. Não dá para desconsiderar também que nas décadas anteriores a academia passou a se interessar seriamente pelo tema, com pesquisadores precursores, como Alfred Kinsey e Wilhelm Reich, definindo as bases nas quais seriam fundadas uma área da ciência dedicada a estudar o sexo, a sexologia1.

Todos estes fatores se empilharam para mudar a forma como a sociedade, principalmente nos Estados Unidos, encarava, consumia e praticava sexo. Fora Woodstock e os hippies, um dos grandes símbolos dessa liberação sexual foi criado por um copywriter de 26 anos que comprou as fotos de um ensaio sensual de Marilyn Monroe e as lançou em uma revista em 1953. O sujeito era Hugh Hefner e a revista, a Playboy. O grande mérito da Playboy não foi vender papel com mulher pelada (isso já existia antes da publicação), mas usar a revista para projetar um estilo de vida do “homem moderno”, que envolvia desejo, relevância social e consumo. Não à toa, a Playboy virou uma máquina de dinheiro não só pela revista, mas pela ilusão que venderia a gerações de homens pelas décadas seguintes: a presença na Playboy Mansion, os carros, as roupas, as bebidas… Tudo saindo do seu bolso e indo para o de Hefner.

O papel da mulher nessa projeção da Playboy era quase sempre o de acessório, troféu. Revelações feitas décadas mais tarde mostraram que a ilusão vendida por Hefner era lastreada em crimes. Livros escritos por ex-funcionárias de empreendimentos da Playboy e até por ex-esposas de Hefner mostram como o circo da revista era uma máquina de estupros e assédios. E, ainda assim, a projeção criada pela Playboy povoou (povoa?) durante décadas a cabeça de centenas de milhões de homens pelo mundo.

É bom deixar claro que historiadores sexuais esclarecem que os anos 1960 e 1970 não foram a primeira revolução sexual nem do século, que dirá da história. Após o fim da I Guerra Mundial, quando “uma juventude flamejante enterrou a era Vitoriana e mergulhou na Era do Jazz”, como nos lembra novamente a escritora Rachel Hills. Pela história, são vários os momentos do que a Luciana Gimenez chamaria de “sexual awakening”, sociedades ao longo da história trataram o sexo, a sexualidade e tabus contemporâneos — como a monogamia — de maneiras que seriam hoje consideradas bastante progressistas. A Roma antiga entendia a sexualidade como indício de prosperidade. Visite qualquer museu com peças que remetam ao período para ver pinturas, esculturas e cerâmicas com corpos nus e orgias.

Um dos mantras do Tecnocracia é que tecnologia não age sozinha e nem no vácuo — fatores sociais podem acelerar sua adoção e, no sentido contrário, sua adoção tem efeitos na sociedade. A revolução sexual das décadas de 1960 e 1970 só aconteceu pelo alinhamento de uma batelada de fatores, tecnológicos, como a pílula e a penicilina contra DTSs, e sociais, como a bonança experimentada pelos baby boomers. E depois? Houve, claro, questões muito impactantes que alteraram a forma como a sociedade pensa e trepa — notoriamente, a AIDS na década de 1980 freou o sentimento ainda pulsante das décadas anteriores e introduziu a camisinha na vida de solteiros e solteiras2.

E aí chegou a internet.

Qualquer um que tenha passado tempo suficiente conectado já ouviu uma frase apócrifa que circula desde que comunidade online era no IRC: “Internet is for porn.” O genial xkcd atualizou o meme ao cunhar a Regra 34: se você pode imaginar, existe uma versão pornográfica online. Canalizar o tesão de bilhões de pessoas por serviços que usam texto, vídeos e fotos tiradas pela própria câmara e mediados pelo GPS do celular altera profundamente a forma como consumimos, pensamos, falamos sobre, fazemos e produzimos sexo. Porque sexo não é só tirar a roupa, bonitinho e bonitinha: a maneira como a gente consome, é estimulado(a) e, principalmente, pensa a respeito exerce enorme influência ao tirar a roupa — ou dar só aquela afastadinha de lado.

No décimo primeiro episódio da quarta temporada do Tecnocracia, a gente vai dar um tempo nos assuntos habituais para seguir o conselho que o Salt’N Pepa dá desde a década de 1990: a gente vai falar de sexo. A cada quinze dias (às vezes um pouco mais, às vezes muito mais), o Tecnocracia larga mão da distopia digital para falar sobre safadeza e a forma como switchers, servidores e linhas de código impactam diretamente a missão primordial de qualquer ser vivo nesta Terra: crescer e multiplicar-nos. Eu sou o Guilherme Felitti e o Tecnocracia está na campanha de financiamento coletivo do Manual do Usuário. A partir do plano II, você ouve o Balcão uma vez por mês (às vezes mais), ganha o adesivo e faz parte do grupo fechado no Telegram. Custa a partir de R$ 16 reais por mês, bem mais barato do que aquele plano do OnlyFans. Bom deixar claro que este gasto vai ter bem menos mamilo que aquele, mas são duas coisas completamente diferentes.

Como ao estabelecer intimidade sexual pela primeira vez com alguém, definamos as regras: este episódio não tem uma gota de moralismo. Sexo é essencial e deve ser feito por gente solteira, casada, viúva, desquitada — por todos. Não é surpresa nenhuma para quem já ouviu outros episódios do Tecnocracia, mas os dogmas religiosos não têm espaço por aqui. Dá para fazer ótimo sexo sem ter amor, mas não dá para fazer sem a concordância expressa de todos os envolvidos. Sexo não precisa sempre sentimento, mas oconsentimento é essencial. Se dois adultos capazes e mentalmente saudáveis concordam em fazer algo com fim sexual que não quebra nenhuma lei, isso é sexo válido, independente se envolvem só homem, só mulher, homem com mulher, um, dois, três ou dez. O desejo sexual é complexo e nós precisamos entendê-lo como tal.

São tantos os impactos da internet no sexo que eu resolvi agrupá-los em dois: a Fantasia e a Interação. Comecemos pela Fantasia. Nunca foi tão fácil consumir dois, três ou mais seres humanos engajando em qualquer tipo de atividade sexual (friso o “qualquer”). A capacidade de transmitir instantaneamente vídeo pela internet significa que você está a poucos segundos de uma quantidade quase infinita de conteúdo sobre qualquer tara, fetiche ou perversão sexual. Os estúdios até tentaram replicar as gravadoras contra o Napster, mas não deu certo: XVideos, YouPorn, Pornhub, Bellesa, xHamster, Eporner, SpankBang, YouJizz, RedTube, PornTrex, Beeg, PornGo e PornHD3 são repositórios lotados de conteúdo sobre BDSM, MILF, roleplay, pé, pernas, bundas, peitos, rolas, mão, cabelo, camel toe, cuckold, cuckquean, shibari, exibicionismo, pegging, comida, oral, vaginal, anal, suor, bukakke, swing, hurtcore, em público, massagem, gravidez, bear, submissão, Tamakeri, látex, botas, boy or girl next door, músculos, barba, imberbe, balões (eu sei…), sovaco, hotwives, daddys, asiáticos, ASMR, transgêneros, umbigo, ahegao, furry, joi, porra… A lista tende ao infinto.

Quais os efeitos que esta pornografia instantânea tem na psique humana? Na teoria, ter contato instantâneo com fetiches tão específicos pode incentivar o público mais baunilha a consumir — e, talvez lá na frente — experimentar coisas mais ousadas4. Às vezes um vídeo sobre shibari é o suficiente para o casal se arriscar. Mas também tem outro impacto, um menos legal. Tal qual o grupo bolsonarista de onde seu tio não sai o dia todo, a maioria do conteúdo pornográfico vende uma realidade paralela. O modelo de sexo praticado em 99% da pornografia tem um foco só: o homem. Tradicionalmente, estúdios pornográficos sempre foram negócios geridos por homens e produziram conteúdo focado em homens, o que faz com que mais homens comprem esse sexo fictício e a roda reinicie. Homens dão ordens e mulheres são estrelas, mas o tratamento está longe de ser exemplar.

O homem que se aventura no mundo buscando na vida real o sexo das telas vai ter uma enorme decepção — o sexo do pornô está para o sexo da vida real como os filmes do Rambo estão para a guerra de verdade. Frustrado, é fácil buscar guarida no catálogo quase infinito de opções. Há sempre algo novo a se ver, algum estímulo que vai te excitar. O consumo excessivo de pornografia pode se desenvolver para um vício capaz de tornar a pessoas não funcional. A pornografia, neste estado, funciona como um ninho confortável para onde se foge quando a vida lhe impõe alguma dificuldade. “Acho que eu dependia da pornografia como um tipo de muleta emocional. Se algo ruim acontecesse, eu buscava o pornô, já que ele sempre estaria lá. Eu sabi que era ruim para mim, mas também entendi que era ruim para as mulheres com quem eu estava envolvido”, explica Alexander Rhodes, programador dos EUA que criou um grupo para alertar a sociedade sobre os riscos do consumo excessivo de pornografia. Dado que a vida sempre vai trazer dificuldades e o volume de pornografia online só cresce, a tentação pode ser grande demais.

Eu quero tomar cuidado ao discutir o assunto para não passar aquela ideia que poderia sair da boca da sua tia carola: os dados não mostram que estar mais exposto à pornografia transforma a pessoa num maníaco sexual ou em um viciado em pornografia. Assim como o vício em outras substâncias, o conteúdo sexual ocupa — e toma — um vazio já existente. Em 2017, a jornalista Lux Alptraum escreveu um editorial para o jornal New York Times explorando alguns destes pontos após cobrir o mercado da pornografia online para o blog Fleshbot por seis anos: “Ainda que o consumo de pornografia tenha se tornado um hábito comum, nós continuamos o tratamento como se fosse algo exótico e inerentemente perigoso à nossa saúde e felicidade […] Mas os dados de uso sugerem que nossos hábitos pornográficos são mais utilitários. Site pornô mais popular do mundo (em 2017), o PornHub afirma que o tempo médio gasto no site é menos de 10 minutos — menos da metade da duração média de uma cena pornô.”

A parte mais importante vem agora:

Isto não quer dizer que pornografia é inteiramente benigna ou que seu impacto nas nossas vidas sexuais seja apenas positiva. Existe algo de verdadeiro na alegação antipornô de que ela impacta a imaginação e a sexualidade dos jovens. Mas isso está amplamente conectado ao fato de que pornografia — que, mesmo sendo às vezes educacional, é mais frequentemente uma fantasia incorreta — é consumida em uma cultura onde a educação sexual é mínima, baseada no medo e constantemente errada; onde pais tratam conversas sobre sexo como uma tarefa vergonhosa que precisa acabar o mais rápido possível; e onde cultura pop promove uma confusa dicotomia entre a virgem e a puta que encoraja a exploração sexual enquanto demoniza ‘promiscuidade’. Dado tudo isso, não surpreende que pornô deixe os jovens confusos ou assustados e que isso impacte negativamente sua capacidade de se relacionar com futuros parceiros. Mas isso diz menos a respeito da natureza da pornografia do que os perigos de uma cultura que delega algo tão importante e essencial como educação sexual para uma indústria dedicada a moldar fantasia e entretenimento.

Para retomar o nome da categoria, fantasia é fundamental na vida. Não apenas no sexo, mas fantasiar sexualmente faz parte de uma vida saudável — os jogos de “roleplay” que casais fazem é uma fantasia acordada. Essa fantasia só é saudável quando seus limites são claros, quando ela não trabalha contra a própria realidade.

Em 2022, a Organização Mundial de Saúde reconheceu como “desordem de controle impulsivo” a “desordem de comportamento sexual abusivo”.

Esse repositório infinito de pornografia também deu um empurrão em estúdios e tendências que fogem ao padrão “putaria para homem”. Em 2004, a sueca Erika Lust ajudou a desencadear um movimento de pornografia para mulheres com projetos como o XConfessions. Se você quiser repensar seu consumo de pornografia, do ponto de vista psíquico já existem terapeutas especializados na área e do ponto de vista de conteúdo, além da onda puxada por Lust. A Netflix produziu um documentário que mostra como a indústria do pornô seleciona e recompensa estrelas. Chama Hot girls wanted e é um murro no estômago.

Ao mesmo tempo em que nunca foi tão fácil consumir pornografia, nunca foi tão fácil entender o que, no escurinho da intimidade, a galera consome sem o julgamento alheio. Os dados apontam algumas tendências bem interessantes. Um dos maiores sites de pornografia do mundo, o PornHub publica todo fim do ano um resumo baseado em dados sobre como cada país do mundo viu pornografia (talvez pela pandemia, eles pularam 2020). Os relatórios de 2019 e 2021 trazem um monte de informações relevantes, a começar pelo termo mais buscado. Quer tentar adivinhar? Eu aposto um balde de sorvete de cupuaçu que você não acerta.

Em 2021, “hentai” foi o mais buscado. Eu não acertaria se chutasse. Mas tem um outro ponto que todo ano me chama atenção: conteúdos estrelados por pessoas transgênero são mais consumidos no Brasil, um país que ocupa uma vergonhosa alta posição entre os que mais matam transgêneros no mundo, segundo dados do Trans Murder Monitoring de 2020, do que a média dos outros países. Em 2019, era o dobro da média mundial. Em 2021, a busca por “trans” aumentou 74%.

Agora, se tem um ponto da categoria Fantasia que me chama atenção é que, antes, nós consumidores só ficávamos olhando. Tal qual entretenimento, fotos, músicas e blogs, a pornografia também foi atingida pelo movimento “do it yourself” (“faça você mesmo”). A Playboy implodiu sob o peso de um modelo de negócio falido e foi substituída pelo Instagram (onde celebridades continuam saindo na mídia, agora com um pouco mais de roupa) ou por ensaios nus com fotógrafos consagrados (Jorge Bispo parece ser o principal deles). E a pornografia mais explícita? Os estúdios grandes ainda existem, mas agora sob a pressão da produção caseira: pessoas comuns que criaram negócios a partir da rotina sexual que qualquer ser humano tem.

Nenhum serviço melhor representa esse movimento que o OnlyFans. No OnlyFans você cria um perfil, define o valor da assinatura mensal e passa a publicar vídeos e fotos seu ou sua, sozinho(a) ou das suas fodas domésticas. Fundado por dois irmãos britânicos em 2016 — Tim e Tom Stokely —, com um aporte de £ 10 mil do próprio pai, o OnlyFans teve sua participação majoritária comprada pelo Leonid Radvinsky dois anos depois. A partir daí, o site se tornou uma máquina de imprimir dinheiro. Em 2020, o OnlyFans faturou £ 1,7 bilhão, quase R$ 11 bilhões, aumento de 615% em comparação ao ano anterior. A pandemia, vamos lembrar, forçou trabalhadores sexuais a encontrar desesperadamente uma nova fonte de renda. O OnlyFans foi o principal beneficiado, com 69 milhões de novos usuários ativos. A maior parte desse valor vultuoso vai para os bolsos das pessoas: todo dólar que entra na plataforma rende ao OnlyFans US$ 0,20. Ou seja: em 2020, a operação embolsou 2 bilhões de reais. Em dividendos a acionistas, o valor foi além dos R$ 100 milhões. Nada mal para uma empresa que tem apenas mil empregados.

O montante é outro indicativo da mudança sísmica promovida pelo OnlyFans: ao desentermediar o consumo de pornografia — o(a) produtor(a) vende direto para consumidores —, o OnlyFans “colocou o entretenimento adulto nas mãos dos próprios entertainers”5, como bem resume o jornal New York Times. O voyeurismo é uma parte natural do tesão humano O OnlyFans abriu um caminho para alimentá-lo, sem financiar uma indústria escrota como os estúdios pornográficos tradicionais.

Falamos sobre Fantasia. Agora vamos para a segunda categoria: Interação. A gente vai falar de aplicativos e aqui vale a mesma questão da pílula: eu nem preciso explicar a que tipo de aplicativos me refiro para você entender do que estamos falando. O grande mérito do movimento iniciado pelo Tinder em 2012 foi convencer a sociedade de que buscar parceiros pela internet não era coisa de gente velha e/ou excêntrica.

O Tinder é o caso raro de inovação que toma o mercado ao ser parido do ventre de quem já o dominava: o aplicativo nasceu em um hackaton6 interno de funcionários da InterActiveCorp, dona do Match.com. Antes do Tinder, já existiam incontáveis sites do tipo, a começar pelo próprio Match.com. Ao gameficar a busca por sexo e/ou companhia, o Tinder ajudou a mudar a forma como a sociedade se pareia e gerou um punhado de apps similares com uma ou outra mudança ou explorando nichos específicos.

Para notar o tamanho da mudança, vamos voltar ao momento em que seu avô e sua avó se encontraram pela primeira vez e arrepios correram por suas espinhas. Ou não, existe a grande chance de que houvesse algo arranjado para uma menina cujo sistema reprodutor acabara de amadurecer. Em 1940, cerca de 80% dos casais se formavam por indicações da família e/ou amigos ou por terem estudado juntos no colégio. Hoje, dois terços dos casais se conheceram pela internet ou em bares, segundo um estudo conduzido pelos pesquisadores Michael Rosenfeld e Sonia Hausen, da Universidade de Stanford University e Reuben Thomas, da Universidade do Novo México. Visto em gráfico, os dados desde a década de 1940 mostram de forma ainda mais clara a mudança radical. A partir de 2010, a internet se torna o principal meio pelo quais casais heterossexuais se conhecerem. Como bem resumo o jornalista da The Atlantic, Derek Thompson: “Nós costumávamos, como sociedade, depender de pessoas próximas para selecionar futuros parceiros. Hoje, este é um trabalho que nós mesmos fazemos.” A versão mais atual do estudo é de 2019. Estou curioso para ver o impacto que a pandemia e o pós-pandemia tiveram nos dados.

Gráfico de como casais se conhecem, com a linha da internet inclinando para cima a partir do final dos anos 2000.
Como casais se conhecem ao longo das décadas.

Há uma outra maneira de ver os mesmos dados: separando por orientação sexual. Aí, salta aos olhos um ponto: a internet já era usada majoritariamente por casais não-héteros uma década antes dos héteros. Fora o fato de ter menos potenciais parceiros, é fácil entender o porquê: quando o seu tesão é rejeitado pela sociedade, você precisa encontrar maneiras mais “escondidas” de procurar parceiros. Antes do Tinder, do Plenty of Fish e, especialmente, do Grindr, toda cidade do interior de São Paulo tinha um bar escondido, quase sempre longe do centro, que todo mundo sabia que era onde gays e lésbicas se encontravam. A dificuldade de se encontrar criava um ecossistema, códigos de comunicação e ambientes próprios. A coesão da comunidade era necessária para sua sobrevivência. A internet mudou isso. Hoje é possível se agrupar virtualmente em comunidades para procurar parceiros sem o risco de “ser descoberto(a)” e sofrer consequências físicas (inclusive com risco de morte). Neste caso, a internet é sinônimo de sobrevivência.

Gráfico de como casais do mesmo sexo se conheceram, com “online” despontando e respondendo por 70% dos encontros hoje.
Como casais do mesmo sexo se conhecem nos Estados Unidos.

Essa mudança de paradigma — de estourar a bolha ao nosso redor e nos colocar em contato com círculos sociais com os quais normalmente não teríamos contato — tem lá seus custos. Ao entrar num aplicativo pela primeira vez, você é só ânimo. Ao voltar aos aplicativos, o pêndulo balança entre um ânimo menor e um certo cansaço. Ao te colocar em contato com tanta gente nova ao mesmo tempo, Tinder, Bumble, Grindr, Her, Happn, Inner Circle, Badoo, OK Cupid, Hinge, Plenty of Fish e Coffee Meets Bagel te colocam na rodinha de hamster: estamos sempre contando nossa história, repetindo desde o início os episódios, os causos, e por mais que no começo seja um exercício até de autoconhecimento interessante, eventualmente isso enche o saco. Existe sempre o risco de, após horas conversando com alguém, você descobrir algo que irremediavelmente te brocha. Aí vai para os próximos. O sucesso está no volume, mas o segredo do sucesso no volume é a paciência.

Todo mundo que já passou períodos de tempo nos aplicativos tem histórias, entre divertidas e assustadoras, para contar, principalmente de trombar com gente radicalmente diferente de você (mesmo de círculos sociais distantes, espera-se o mínimo de similaridade). Aplicativos de pegação são marketplaces: tem gente para todos os gostos. É óbvio que, naquela imensidão, não é todo mundo que vai te agradar. Só que, nessa trabalheira inicial, você vai aos poucos entendendo as regras e filtrando melhor potenciais casos de gente com quem você definitivamente não quer contato.

“Ah Guilherme, mas só tem gente que quer sexo nos apps.” Não necessariamente. Claro, é muito fácil achar alguém para trepar, mas procurando bem encontra-se gente para construir relação. Eu e minha mulher nos conhecemos no aplicativo. (Dica: o Bumble, fundado por ex-funcionárias do Tinder e com um proposta, a priori, “feminista”, costuma produzir matches melhores que o Tinder.) Marketplace é isso: tem o que você procura. Às vezes só tem que buscar um pouco mais. E aqui entra uma conclusão baseada tanto na minha experiência como nos relatos de amigas solteiras: se você é um homem hétero ou bi que sabe conversar minimamente (citar Jordan Peterson ou dizer “você também é liberal? Gosta dos austríacos?” não é conversar, bonito), tem interesses além do trabalho e sabe lidar minimamente com os próprios sentimentos, então você estará em alta demanda — qualquer mulher que já tenha frequentado os apps pode confirmar.

O Tinder também mostrou que existe espaço para explorar orientações, fetiches e taras específicas em aplicativos mais específicos. Tinder, Bumble e Happn aceitam qualquer tipo de orientação sexual, mas se você, homem, quer algo dedicado, tem o pioneiro Grindr. Curte um urso? Baixa o Growlr. Mulher procurando mulher? Tem o HER, o Zoe e o Scissr. Casais que queiram transar com um(a) terceiro(a) ou fazer troca? O 3der e o Feeld servem. Só quer pegar gente de esquerda? Lefty. Namorar quem pedala? BikerKiss. Quer um fazendeiro ou uma cowgirl? FarmersOnly. Só quer quem tem os mesmos produtos dentro da geladeira? Refrigerdating. A chance de encontrar pessoas que te atraem para dividir a cama ou a vida nunca foi tão alta.

Capa da revista Época, com uma mulher com os pés parcialmente amputados e a chamada: “Usei um anticoncepcional que quase me matou. O tratamento necrosou meus dedos dos pés. Tiveram que ser amputados.”

Vamos voltar à história do começo: a pílula inventada pelo Pincus impactou diretamente a vida de milhões de mulheres nas últimas décadas, mas para algumas delas o impacto foi além do sexo. O que ainda não se sabia em 1950 é que bombardear o corpo feminino com hormônios sintetizados artificialmente pode ter consequências terríveis e eu não estou falando de inchaços nos seios ou dores de cabeça. Para algumas mulheres, a pílula aumenta consideravelmente o risco de coágulo sanguíneo, trombose e AVC, questões relacionadas ao sistema circulatório. Em 2014, a revista Época publicou reportagem da jornalista Cristiane Segatto sobre o assunto. Na capa, uma funcionária pública mostrava o toco dos pés após perder os dedos necrosados por problemas causados pelo consumo da pílula. Um dos mantras do Tecnocracia é que nenhuma tecnologia atua no vácuo: ela produz efeitos e consequências ao ser adotada. Pode demorar um pouco, mas os desdobramentos inesperados sempre aparecem.

A gente já falou de algumas das consequências da forma como a internet impactou o sexo. Há o vício em pornografia, apoiado no volume quase infinito. Mas tem uma outra questão que, analisada com cuidado, não parece fazer o menor sentido. O tanto de ferramenta que facilita o contato e o tanto de conteúdo gratuito e instantâneo para atiçar a curiosidade, logicamente, parecia indicar uma era de ouro do sexo. Na prática, acontece o contrário: “O número médio de parceiros sexuais dos adultos nascidos nos anos 1980 e 1990 é o mesmo que o dos nascidos entre 1946 e 1964, de acordo com estudo publicado pelo jornal acadêmico Archives of Sexual Behavior”, diz reportagem do Los Angeles Times. Ao isolar os efeitos geracionais, a pesquisa descobriu que os baby boomers tiveram em média 11 parceiros na vida toda, contra 8 dos millennials.

O fato de o estudo ter sido publicado em 2015 merece atenção, mas seguidos estudos divulgados posteriormente para países além dos Estados Unidos chegam a conclusões parecidas: em 2017, estudo liderado pela pesquisadora Jean Twenge, do departamento de psicologia da Universidade Estadual de San Diego, sugeriu que, no último século, os millennials foram os que menos treparam enquanto os mais sexualmente ativos foram os nascidos nos anos 19307. Os suecos, holandeses e britânicos, segundo estudos locais, também estão menos carnais.

Mesmo com todas as ferramentas, a nossa geração, na média, trepa menos que a geração dos nossos pais e dos nossos avós, algo que a revista The Atlantic chamou de “recessão de sexo”: “Adolescentes estão começando suas vidas sexuais mais tarde. De 1991 a 2017, a porcentagem de estudantes do colegial que tiveram sexo caiu de 54% para 40%, segundo a Pesquisa sobre Comportamentos de Risco dos jovens, organizada pelo CDC [a Anvisa dos EUA]. Em outras palavras, no espaço de uma geração, o sexo deixou de ser algo que a maioria dos estudantes tinha experimentado para algo que a maioria não experimentou. E não, eles não estão praticando sexo oral no lugar — a taxa não mudou tanto”, diz a reportagem.

O que ajuda a explicar? Pesquisadores têm algumas teorias. Para começar: em 1930, a noção de consentimento não estava tão clara como na última década. Segue a reportagem da Atlantic: “Taxas de abuso sexual infantil têm caído pelas últimas décadas e abuso pode levar para comportamentos sexuais tanto precoces como promíscuos. Algumas pessoas hoje podem se sentir menos pressionadas a transar quando não querem, graças à mudança dos costumes de gênero e à crescente conscientização sobre diversas orientações sexuais, incluindo a assexualidade. Talvez mais pessoas estejam priorizando estudo e trabalho sobre amor e sexo, pelo menos por um tempo. Ou talvez eles estejam sendo mais cuidadosos em escolher um parceiro de vida — se for o caso, bom para eles.”

Não parece haver uma teoria unificadora: sexólogos, psicólogos, economistas, sociólogos, terapeutas, educadores sexuais e jovens adultos ouvidos pela Atlantic levantaram as mais diversas teorias: a culpa é da crise econômica, “das crescentes taxas de ansiedade, da fragilidade psicológica, do uso generalizado de antidepressivos, do streaming, da queda dos níveis de testosterona, do pornô, da era de ouro do vibrador, dos aplicativos de namoro, do carreirismo, dos celulares, do ciclo de notícias, da sobrecarga de informações em geral, da privação do sono, da obesidade…” Tudo é causa, nada é causa.

Gráfico mostrando percentual de pessoas de 18 a 30 anos que não transaram no último ano. Homens lideram com 28% no ano mais recente (2018).
Homens jovens lideram o declínio do sexo.

Mas tem um recorte aqui que merece atenção: a faixa etária que conduz essa recessão de sexo é composta por pessoas entre 18 e 29 anos, segundo a General Social Survey, pesquisa a partir do qual a pesquisadora Jean Twenge faz suas análises. Entre 2008 e 2018, a taxa daqueles que estão nesta faixa e não transam há um ano dobrou e chegou a 23% do público. Quebrado por sexo, o dado é ainda mais assustador: no mesmo período, a taxa de homens jovens que não transam triplicou para 28%. A cada 10 homens de até 30 anos, 3 não tiveram contato íntimo no último ano, segundo reportagem do Washington Post. A própria Twenge tenta explicar conectando a queda nas relações estáveis ao crescente desemprego, às altas taxas de homens jovens morando com os pais e ao “excesso” de distrações tecnológicas. “Existem mais coisas a se fazer 10 horas da noite hoje do que há 20 anos.” Não sei se eu sou velho, mas que frase triste, puta merda.

Por fim: lá no começo do episódio eu citei dois teóricos da primeira metade do século 20 que passaram a aprofundar estudos sobre o papel que o sexo tem na sociedade contemporânea. Um é o Kinsey, outro é o Wilhelm Reich. Seguidor do Freud, o Reich escreveu um livro em 1927 chamado A função do orgasmo, no qual ele alega que a libido e essa potência orgástica que todos carregamos, em vez de ser sufocada e encarada com vergonha, funciona como um pilar da nossa saúde mental. Que essa força que todos carregamos pode ser fundamental para ajudar em momentos de angústia profunda. Em trabalhos nos anos seguintes, inclusive, o próprio Reich costurou melhor essa interseção entre psiquismo e a ascensão de governos autoritários, argumentando que movimentos fascistas se constituem e são alimentados pela repressão sexual.

Mentor de Reich, Freud já tinha deixado claro que humanos se equilibram entre duas pulsões, a de vida e a de morte. Atividades prazerosas alimentam a pulsão de vida e, ainda que não seja a única, sexo é uma das principais. Isso é natureza humana, independente se temos smartphone no bolso ou não. Como a gente falou o episódio inteiro, a tecnologia introduziu enormes mudanças sobre como pensamos, discutimos, consumimos, produzimos e fazemos sexo. Ela precisa ser utilizada para nos colocar em contato com esta pulsão de vida. A gente pode até tentar replicar sexo remotamente em momentos difíceis, como a quarentena, mas ele só se executa no mundo real. Eu vou acompanhar com atenção estes dados sobre a recessão sexual pelos próximos anos para ver se não estamos vendo só algo momentâneo, mas parece existir um consenso até agora que toda a tecnologia ajuda, mas, no fim das contas, não resolve sozinha, mesmo que o assunto seja gozar.

  1. Se livro acadêmico não é sua praia, o Liam Neeson interpreta o Kinsey num filme homônimo muito bom de 2004.
  2. Ou pelo menos deveria ter introduzido.
  3. Para citar alguns.
  4. Na sexologia, “baunilha” é o termo usado para definir pessoas ou casais habituadas apenas às práticas sexuais mais convencionais.
  5. Pronúncia tá correta, Lu?
  6. Taí um raro hackaton que rendeu alguma coisa fora campanhas de PR e promessas vazias.
  7. E você achando sua avó careta…

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