Gehen Sie mit der App Player FM offline!
O QUE DIZEM AS PALAVRAS SOBRE NÓS? Marco Neves
Manage episode 445368801 series 3444813
Falar bem português e escrever em bom português é absolutamente crítico para comunicar na nossa língua.
E sim, calhou-nos uma língua complexa na rifa, difícil, cheia de palavras e regras.
Algumas até de difícil compreensão ou mesmo aparentemente contraditórias.
Deixem-me dar-vos o exemplo das vírgulas. Onde se põem as vírgulas.
Das várias fontes que consultei há, em princípio, 4 regras principais.
Mas depois são afinal 11 que até podem ser 15.
Se alguém tem outro número queira mandar uma mensagem ou deixar um comentário.
Mas o exemplo das vírgulas é tão fascinante que até há uma regra opcional.
Leio no ciberdúvidas que a frase ‘Depois, vamos sair para jantar.’ pode ter essa vírgula, ou, simplesmente, se quiser dar mais ritmo à frase, pode escrever sem vírgula ‘Depois vamos sair para jantar.’
Esta é conversa sobre línguas, sobre pontuações e até sobre palavrões.
Que são umas palavras muito especiais.
Cada língua leva dentro de si a cultura de um povo.
Mas não só.
Sim o poeta Fernando Pessoa disse:
“Minha Pátria é minha língua.” Mas a frase continua assim:
“Pouco se me dá que Portugal seja invadido, desde que não mexam comigo.”
Dificilmente encontramos uma frase que nos defina melhor, ao longo da história.
Volto às línguas.
Elas não são actos de cultura e comunicação.
Foram nascidas e talhadas como arma política.
Os franceses não falavam francês. Os italianos também não falavam a língua com que os ouvimos hoje descrever as mais belas coisas do mundo.
E as palavras tem significados literais e simbólicos.
São as chamadas expressões idiomáticas.
O “prego” italiano não é para pregar tábuas nem pregar aos peixes. Será o nosso “de nada”
E o “Raconter de salades” não é contar saladas, mas sim “contar uma história.”
E a história tem muito peso nesta coisa das línguas.
Porque a língua foi um instrumento político de unificação de um estado.
E, portanto, imposto ao povo. Muitas vezes usando o fio da espada.
Com esse conceito da língua enquanto norma, levamos todos com a mil regras a cumprir. Mas as línguas continuam vivas, recebendo influências das outras ou dos nossos brilhantes pontapés na gramática.
Se o pontapé for numa pedra, com força, e de pé descalço, então também recorremos à língua. Usando os palavrões. Palavras escondidas no subsolo do nosso cérebro.
São tabu, mas aliviam as dores.
As palavras contam.
As que dizemos. As que alguém entendeu, ou desentendeu.
Há palavras de que gosto.
Pode ser pelo significado ou pode ser, simplesmente, pelo som que se produz ao dizê-la.
A minha palavra preferida é “óbvio”
Gosto do som e do significado.
É simples, mas obriga a uma definição de sons. Uma dança entre o B e o V.
E é obviamente uma palavra aberta logo na primeira letra.
Olhem, obviamente volto para a semana.
E vocemessês também.
É óbvio.
E agora dai-me licença para fechar este parlatório.
Ou deveria dizer palratório?
Quem é Marco Neves?
Marco Neves nasceu em Peniche e vive em Lisboa. Tem sete ofícios, todos virados para as línguas: tradutor, revisor, professor, leitor, conversador e autor.
Não são sete? Falta este: é também pai, com o ofício de contar histórias. É professor na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e diretor do escritório de Lisboa da Eurologos. Escreve regularmente no blogue Certas Palavras. Já publicou os livros Doze Segredos da Língua Portuguesa, A Incrível História Secreta da Língua Portuguesa e o romance A Baleia que Engoliu Um Espanhol. Publicou também um ensaio literário, José Cardoso Pires e o Leitor Desassossegado. Regressa às dúvidas e subtilezas da nossa língua com a Gramática para Todos: O Português na Ponta da Língua.
O que aprendi neste episódio*:
O Poder da Língua: Reflexões sobre Normas, Resistência Cultural e Transformações Linguísticas
A língua, mais do que um simples meio de comunicação, é um reflexo das complexas dinâmicas de poder, história e cultura de uma sociedade. No mais recente episódio de “Pergunta Simples”, explorei o papel da língua na criação de normas, no estímulo à resistência cultural e na adaptação às transformações modernas. Durante a conversa, muitos pontos interessantes surgiram, que nos ajudam a entender melhor o que está por trás da forma como falamos e como nos expressamos.
Um dos temas centrais da conversa foi a relação entre a padronização da língua e a insegurança que isso pode causar. Desde que os estados começaram a criar normas linguísticas e a impô-las através da educação, o sentimento de inadequação ou erro tornou-se comum. Isso é especialmente evidente quando falamos da língua portuguesa. A forma como falamos, as palavras que escolhemos, e até o sotaque, muitas vezes fazem-nos sentir fora da norma, como se estivéssemos constantemente a cometer erros. Na verdade, essa sensação de inadequação está enraizada numa longa história de imposição de padrões linguísticos.
“A língua também é sempre alguma fonte de insegurança, porque a forma como é que é dizer por usar um enquadramento histórico, a partir do momento em que cada Estado criou uma língua, criou uma língua padrão e começou a pô-la na escola e a usá-la oficialmente.”
Quando olhamos para exemplos históricos, como a França, vemos que o processo de padronização linguística foi violento e frequentemente resultou na supressão de línguas minoritárias, como o occitano. Essas línguas, que tinham tanto prestígio quanto o francês na Idade Média, foram gradualmente marginalizadas, até serem vistas como “falar mal”. É fascinante pensar que muitas das línguas que desapareceram ou quase desapareceram não foram vítimas da sua falta de relevância, mas sim de um processo deliberado de repressão e normalização.
“Na França, este processo foi bem-sucedido. […] Esta língua era uma língua tão antiga como o que nós chamamos francês, tão antiga como o português, uma língua de muito prestígio. De repente, por causa deste processo […] começou a ser vista como falar mal.”
Ao olharmos para mais perto de casa, percebemos que o mesmo tipo de processos aconteceu nas zonas fronteiriças entre Portugal e Galiza. A ideia de uma fronteira linguística clara é relativamente recente, e durante séculos as pessoas nas áreas fronteiriças falavam o que sempre tinham falado, sem se preocuparem com a distinção entre “português” e “galego”. O Couto Misto é um excelente exemplo de como essas fronteiras não são apenas políticas, mas também culturais. A imposição de uma norma, tanto em Portugal como na Espanha, veio a criar uma barreira linguística que antes não existia.
“Falavam aquilo que se falava de um lado e do outro. Ninguém tinha exatamente a ideia de que falar português, falar galego, isso não era uma escolha que a pessoa fazia. Falava aquilo que sempre se falou desde a Idade Média.”
Outro tema que abordámos foi a constante importação de palavras de outras línguas e a questão dos estrangeirismos. A língua portuguesa é rica em empréstimos linguísticos, e muitas das palavras que usamos diariamente entraram no nosso vocabulário quase sem nos darmos conta. A influência do francês, por exemplo, é um caso clássico. A expressão “tem a ver” em vez de “tem que ver” é um exemplo de como as línguas estrangeiras moldam subtilmente a forma como falamos.
“Quando algo está à deriva em francês tem a ver. Tradicionalmente nós dizíamos sempre ‘isto tem que ver com’. Com a grande influência francesa, começamos a dizer ‘tem a ver’.”
Os palavrões também desempenham um papel interessante na nossa linguagem. Apesar de muitas vezes serem relegados ao “mau uso” da língua, os palavrões são algumas das palavras mais antigas que conhecemos e têm um poder expressivo único. Curiosamente, o uso de palavrões revela muito sobre a relação que temos com o tabu e com a repressão linguística. O facto de serem “escondidos” no nosso cérebro e usados em momentos de emoção intensa mostra que eles mantêm uma função muito primitiva, quase visceral, na nossa comunicação.
“O palavrão em geral está, digamos, no cérebro num sítio mais primitivo. Está lá guardado no sítio mais primitivo.”
A resistência a normas linguísticas e a contínua adaptação das línguas são temas que continuam a ser relevantes hoje, especialmente com o avanço da globalização e o domínio do inglês como língua franca. Embora o inglês tenha muitos benefícios, como facilitar a comunicação internacional, ele também pode representar uma ameaça à diversidade linguística e cultural. No entanto, o problema não está apenas no uso de palavras estrangeiras, mas também no estilo de comunicação. Muitas vezes, quando fazemos apresentações públicas ou escrevemos para um público português, tendemos a misturar palavras em inglês, o que pode criar uma barreira de comunicação.
“Se eu sou um economista e não nada contra os economistas, não é um profissional de qualquer área, vou fazer uma apresentação pública em Portugal para portugueses e metade das minhas palavras são em inglês. Isto é uma questão de comunicação.”
No final, a língua é mais do que palavras e regras. Ela reflete as nossas identidades, as nossas lutas e as nossas histórias. Cada palavra que escolhemos, cada sotaque que adotamos, e cada estrangeirismo que incorporamos faz parte de uma narrativa maior, que nos conecta ao nosso passado e molda o nosso futuro.
Por isso, comunicar não é apenas falar ou escrever. É entender o contexto, as implicações e as histórias que vêm com cada expressão. E, acima de tudo, é saber que, ao falar, estamos sempre a construir pontes – ou a levantar barreiras – entre nós e os outros.
*com transcrição inicial produzida por I.A.
LER A TRANSCRIÇÃO DO EPISÓDIO00:00:00:00 – 00:00:07:10
JORGE CORREIA
Viva Marco Neves, Escritor, tradutor, professor, leitor, bom conversador, que que Vamos.
00:00:07:10 – 00:00:09:14
MARCO NEVES
Ver o.
00:00:09:16 – 00:00:25:13
JORGE CORREIA
Que é que eu descubro te na nascente internet. Eu estou ali a viajar no meu, no meu Tic-Tac, no meu Instagram. E subitamente aparece um professor a falar de língua portuguesa, mas não da maneira que o.
00:00:25:15 – 00:00:26:03
MARCO NEVES
Grego fala.
00:00:26:06 – 00:00:26:23
JORGE CORREIA
Que as pessoas falam.
00:00:26:23 – 00:00:47:03
MARCO NEVES
Não é porque não sei eu que para mim é habitual e normal, mas percebo que seja uma forma diferente, porque normalmente o tema de língua portuguesa restringe se à questão de os erros que nós damos. E não, não é que eu não fale disso, mas esse é um tema muito comum e eu falo outras coisas.
00:00:47:04 – 00:01:07:05
JORGE CORREIA
Não sei é porque achas que nós estamos sempre. É curioso porque não é só no caso do português, há sempre na escola da minha infância, sempre que é a questão do erro, da correção, o estímulo, o estímulo é sempre um mais um, mais um pau de marmeleiro.
00:01:07:07 – 00:01:08:02
MARCO NEVES
Estarmos a.
00:01:08:04 – 00:01:08:22
JORGE CORREIA
Experimentar e.
00:01:08:22 – 00:01:31:02
MARCO NEVES
Elucidado. Enfim, nós podíamos ir muito atrás nesta história, mas a língua também é sempre alguma fonte de insegurança, porque a forma como é que é dizer por usar um enquadramento histórico, a partir do momento em que cada Estado criou uma língua, criou uma língua padrão e começou a pô la na escola e a usá la oficialmente.
00:01:31:02 – 00:01:32:00
JORGE CORREIA
Lá temos a norma.
00:01:32:02 – 00:01:48:06
MARCO NEVES
Temos a norma, a norma que não era seguida pela grande maioria da população. E depois há este esforço de ir para cima. São a norma que leva sempre a uma certa insegurança e que é um esforço que não, não acabou, porque nós esquecemos que a grande maioria das pessoas, até há 100 anos não escrevia nem lia para começar.
00:01:48:08 – 00:02:11:15
MARCO NEVES
E também não vezes dizemos a brincar. Normalmente usa se a França como exemplo de Portugal. Para dizer verdade, até é um país relativamente homogéneo. Nós sabemos que há muita diversidade, mas em comparação com outros países europeus, nós temos alguma. Não somos assim tão, tão diverso. Agora, a França há 200 anos, a grande maioria dos franceses não falava francês.
00:02:11:17 – 00:02:17:24
JORGE CORREIA
Tal como os italianos, portanto, eles chamavam muito de hábitos, não tinham uma lógica de um país, tinha uma lógica de condados.
00:02:18:03 – 00:02:24:17
MARCO NEVES
Mas no caso da Itália, mais do que a própria língua, nós sabemos que a Itália, como Estado, é recente. Não é tanto foi unificada no século XIX.
00:02:24:17 – 00:02:26:08
JORGE CORREIA
E tiveram que inventar o italiano.
00:02:26:10 – 00:02:31:05
MARCO NEVES
O italiano já existia como língua literária do antigo e era uma língua de prestígio.
00:02:31:07 – 00:02:32:20
JORGE CORREIA
Só depois como é que se põe o povo a falar?
00:02:32:21 – 00:02:49:05
MARCO NEVES
É só. Não só a partir do século XIX que houve esta ideia. Agora temos todos temos de falar italiano e quem não fala italiano fala mal. As pessoas sempre tinham falado que estavam a falar na rua. De repente é que apareceu esta nova. Quase podíamos dizer moda não é? Mas era algo bastante consciente e bastante deliberado. E houve.
00:02:49:06 – 00:02:53:05
MARCO NEVES
Houve processos em toda a Europa que alguns deles um pouco violentos.
00:02:53:07 – 00:02:54:00
JORGE CORREIA
Então falamos disso.
00:02:54:06 – 00:02:54:14
MARCO NEVES
Mesmo em.
00:02:54:14 – 00:02:56:03
JORGE CORREIA
França e a pancadaria, se.
00:02:56:04 – 00:03:21:22
MARCO NEVES
Isso não é mesmo? Nós cá lembramos às vezes nós em Portugal não temos bem ideia do que é que se passou por cá. É tudo uma questão de quase sotaque vocabular e vamos usar isto. Esta palavra, não outra. Vamos usar este sotaque, não outro. Houve países onde eram línguas diferentes, ou seja, na França, por exemplo, a língua que nós conhecemos da Idade Média, o provençal, o provençal, hoje nós chamamos occitano, é o nome que se usa.
00:03:21:24 – 00:03:34:05
MARCO NEVES
Essa língua era uma língua tão antiga como o que nós chamamos francês, tão antiga como o português, uma língua muito prestígio. De repente, por causa deste processo que estávamos a falar, começou a ser vista como falar mal começou e começou a ser então.
00:03:34:07 – 00:03:36:06
JORGE CORREIA
É quase a língua dos selvagens.
00:03:36:08 – 00:03:47:09
MARCO NEVES
É quem falava isto na escola era o posto de castigo. Ela levava uma reguada, tinha de ir para o canto, não podia falar esta língua estranha. Algum tempo depois, também começou um processo contrário de protecção das línguas minoritárias.
00:03:47:11 – 00:04:12:06
JORGE CORREIA
O que é muito engraçado que eu sinto me meio galego, apesar de ter a minha terra e caminha lá em cima e portanto, sempre, desde a minha infância, os do. Os portugueses do lado esquerdo do rio Minho falavam português e os galegos falavam galego, mas nesse não ninguém se atrapalhava exatamente. Quer dizer, porque as palavras eram as mesmas.
00:04:12:06 – 00:04:35:02
MARCO NEVES
Aí é um exemplo claro de que aquilo que eu estava a contar. Mas o que se passa é que na França este processo foi bem sucedido. Que dizer estas línguas minoritárias? Infelizmente, na minha perspetiva, acaba por ser quase desaparecer. Existem ainda estão a ser protegidas. Conseguimos encontrar pessoas que nos falam, pessoas normalmente mais velhas, mas são línguas muito minoritárias, difíceis.
00:04:35:04 – 00:04:38:22
JORGE CORREIA
É quase um esmagamento por parte dos Estados. Em relação à.
00:04:38:22 – 00:04:40:16
MARCO NEVES
França, então foi terrível. Bom.
00:04:40:18 – 00:04:45:05
JORGE CORREIA
A França é o sitio onde se fazem revoluções cortando a cabeça dos adversários, portanto também é bom.
00:04:45:05 – 00:05:02:04
MARCO NEVES
Não foi a partir daí da revolução que se criou esta ideia de que uma nação é que é o verdadeiro soberano. Esta ideia, que tem implicações muito positivas, mas depois de tocar a língua, tem implicação. Então temos falar todos a mesma língua, porque somos uma nação. Na Espanha o processo foi também muito violento e foi muito e foi muito intenso.
00:05:02:06 – 00:05:06:06
MARCO NEVES
Só que não teve o mesmo, ou seja, não conseguiu eliminar estas linhas.
00:05:06:06 – 00:05:07:08
JORGE CORREIA
Houve uma resistência.
00:05:07:08 – 00:05:17:05
MARCO NEVES
Houve uma resistência muito grande, muitas vezes uma resistência não propriamente política, mas na Galiza, que era uma questão de resistência. Simplesmente a população continuou a falar galego.
00:05:17:07 – 00:05:18:22
JORGE CORREIA
Mas as instalações.
00:05:18:24 – 00:05:41:18
MARCO NEVES
Até há pouco tempo, quando eu nasci com nós, nós temos o galego, era a língua. Se calhar de 90% dos galegos. Hoje já não é bem assim. Infelizmente, houve um outro processo que já não é um processo tão consciente nem tão intencional por parte do Estado. Mas houve um processo de em que a própria população, apesar de o galego ter passado a ser oficial, ter passado a ser ensinada na escola, ter passado a estar nas placas.
00:05:41:20 – 00:05:51:06
MARCO NEVES
De repente e ironicamente, ao mesmo tempo, a população começou a não usar o galego de forma tão intensa. Nós vamos hoje a Vigo e não é muito fácil ouvir.
00:05:51:06 – 00:05:54:17
JORGE CORREIA
Falar que o X lá está a gente da Galiza. Nós temos.
00:05:54:21 – 00:05:56:22
MARCO NEVES
Escrito e conseguimos falar e eles percebem.
00:05:56:24 – 00:05:57:09
JORGE CORREIA
Mas já não.
00:05:57:09 – 00:06:15:06
MARCO NEVES
Ouvem, já não ouvimos nem nas aldeias ouvimos. Eu tive a experiência de algumas aldeias galegas a uma escola de uma aldeia galega e todos estavam a falar galego à minha volta. Quer dizer, eu sentia como se estivesse no norte de Portugal. Agora, se for a uma cidade como a Corunha, como Vigo, já é difícil. Já não ouvimos contar uma.
00:06:15:06 – 00:06:37:05
JORGE CORREIA
Coisa curiosa lá está as fronteiras e as culturas e as pessoas estão próximas e a cultura, no fundo, que é o que manda nisto tudo, é essa diversidade nas zonas de fronteira. São de facto muito próximas o Alto Minho e a Galiza. Há uma continuidade de até geográfica dos rios, dos vales, das pessoas, das tradições, língua, da língua.
00:06:37:07 – 00:06:54:15
JORGE CORREIA
Há uma história curiosa que tu, que tu contas, que tem a ver com uma determinada zona entre o Norte de Portugal e a Galiza, que a Couto Misto é o que este couto misto tem de estar. Esta porção de território tem de interessante, em termos linguísticos.
00:06:54:17 – 00:07:14:16
MARCO NEVES
Isto é, um fenómeno de fronteira que raia como estava. Como estás a dizer que nós temos aquela ideia que a nossa fronteira é a mais antiga da Europa e é muito antiga? Nós quando olhamos para um mapa do século XIV, se calhar o único país que conseguimos reconhecer ali em Portugal. Mas a distância. Porque quando vamos ao pormenor, a fronteira teve certos, teve acertos, teve alguns.
00:07:14:16 – 00:07:17:02
JORGE CORREIA
Mas não vamos falar de Olivença.
00:07:17:04 – 00:07:36:05
MARCO NEVES
Não. Hoje não é? Tínhamos aqui um programa completamente diferente, mas o que se passava ali é que havia zonas. Esta ideia de que a fronteira é algo muito marcado no terreno que nós vemos, nós vamos lá e vemos a fronteira no terreno. Por vezes até é possível por um pé em Espanha e em Portugal. Isto é uma coisa, é uma ideia relativamente recente.
00:07:36:05 – 00:07:46:09
MARCO NEVES
A fronteira era um pouco mais vaga. Não quer dizer que não existisse a fronteira, mas não era assim. Não. Não tínhamos aquela, digamos, aquela que é o limite muito claro. Com Marcos de fronteira.
00:07:46:09 – 00:07:47:13
JORGE CORREIA
Não há um risco, nenhum muro.
00:07:47:13 – 00:08:07:10
MARCO NEVES
Não havia um risco, nem um muro havia Simplesmente esta terra paga impostos a Portugal, esta terra paga impostos ao reino vizinho. Agora ou ali, houve ali uma zona que, precisamente por causa disto, não se sabe exatamente. Não se conhece exatamente porque razão é que aquilo ficou assim. Mas três aldeias chamadas em conjunto, o Couto Misto, que não paga impostos nem um nem outro.
00:08:07:14 – 00:08:11:17
JORGE CORREIA
Então esse é que é o segredo. Se calhar só.
00:08:11:19 – 00:08:33:16
MARCO NEVES
A verdade é que na prática, eles eram independentes, independentes. Eles nunca diriam somos um país independente. Isso é um conceito muito moderno. Mas não pagavam imposto nem nem podiam ser espanhóis. Portugueses eram galegos. Falavam aquilo que se falava de um lado e do outro. Ninguém tinha exactamente a ideia de que falar português no três, falar galego a três, falar castelhano, isso não era uma escolha que a pessoa fazia.
00:08:33:16 – 00:08:57:14
MARCO NEVES
Falava aquilo que sempre se falou que desde a Idade Média. A verdade é que em 1864 não tenho aqui o contacto, mas sim com a certeza que isso houve um tratado que dividiu esse terreno entre Espanha e de Espanha e Portugal. As pessoas não deixaram de falar o que sempre falaram e hoje vamos lá. O que eles falam é aquilo que aquilo que nós chamamos galego, mas que no fundo é o mesmo que se fala do outro lado.
00:08:57:14 – 00:09:03:11
JORGE CORREIA
Portanto, não adianta a régua e esquadro tentar fazer essa fronteira linguística, porque depois há uma porosidade.
00:09:03:11 – 00:09:36:23
MARCO NEVES
Sim, a. E é curioso porque essa fronteira está com algumas pequenas alterações. Esta fronteira é muito antiga. Quer dizer, estamos a falar das fronteiras mais antigas do mundo e, no entanto, curiosamente, linguística dois dois Curiosamente, linguisticamente, a fronteira não, não, não teve grande reflexo ao longo de muitos séculos. Só agora, só agora, nos últimos 50, 60 anos, é que, na verdade, se ergueu aqui uma barreira e a barreira foi criada por dois fenómenos Primeiro, o castelhano espalhou se o que nós somos espanhol no dia a dia espalhou se pela Galiza e é hoje muito falado.
00:09:37:00 – 00:09:56:01
MARCO NEVES
E, por outro lado, do lado português, uma certa forma de falar um pouco mais parecido com aquilo que se usa no Sul, o que nós chamamos o português padrão começou também a espalhar se e hoje a forma de falar do Norte continua a ser muito característica, mas já não é tão distinta como era há uns há umas décadas.
00:09:56:02 – 00:10:12:03
JORGE CORREIA
Olha, vamos falar de influências, se calhar na geração dos nossos pais, uma grande influência da literatura francesa na das palavras que nós importamos da língua francesa. Estava aqui a tentar lembrar me de algumas que.
00:10:12:05 – 00:10:28:18
MARCO NEVES
Há muito há tantas que nós já nem a deriva. Vamos imaginar quando algo está à deriva em francês tem a ver. Em vez de dizer tem que ver. Tradicionalmente nós dizíamos sempre isto tem que ver com alguma coisa. Com uma grande influência francesa, começamos a dizer tem a ver isto já está.
00:10:28:20 – 00:10:30:23
JORGE CORREIA
Já lá está, já cá está, já foi incorporada.
00:10:30:23 – 00:10:39:15
MARCO NEVES
Já foi incorporada. Muitas, muitas mesmo, do francês. E o francês tem outra questão, porque é provavelmente dizer que atualmente a língua é a língua tem mesmo função.
00:10:39:15 – 00:10:45:07
JORGE CORREIA
E ia saltar para o inglês e depois para para para o português do Brasil ou brasileiro. Vou dizer que é português.
00:10:45:07 – 00:10:58:08
MARCO NEVES
Temos a outra falta. Ai não vamos. Até porque estavam para terminar a conversa anterior, porque no século XVI, por exemplo, na altura de Camões, a língua da moda era o castelhano. Na altura todos diriam castelhano, ninguém diria espanhol.
00:10:58:08 – 00:11:01:17
JORGE CORREIA
Estamos a falar na altura da invasão dos Filipes, ainda antes de mesmo.
00:11:01:19 – 00:11:05:07
MARCO NEVES
Portanto, durante o Gil Vicente Camões escreviam em castelhano também.
00:11:05:07 – 00:11:07:07
JORGE CORREIA
Então mas isso aqui é um fenómeno da burguesia.
00:11:07:07 – 00:11:08:02
MARCO NEVES
Era um fenómeno.
00:11:08:04 – 00:11:08:15
JORGE CORREIA
Muito.
00:11:08:15 – 00:11:32:14
MARCO NEVES
Lisboeta, muito, muito simples. E realmente era mesmo a língua da moda. Mas, mesmo de forma muito marcada, Camões usou muitas palavras vindas do castelhano nas suas obras, como todos os escritores faziam. Quer dizer, não era nada de particular. Havia alguns que se vestiam de forma mais marcada, mas o castelhano deu nos muitas palavras. Só temos aqui. Temos aqui uma questão é que o castelhano é muito próxima.
00:11:32:16 – 00:11:34:18
JORGE CORREIA
Portanto é mais fácil e faz mais sentido.
00:11:34:18 – 00:11:43:17
MARCO NEVES
No fim, não só não só faz mais sentido como uma vez incorporadas, já nem conseguimos reconhecê las como como língua, como palavras que vêm de fora.
00:11:43:20 – 00:11:50:07
JORGE CORREIA
Até porque a maneira de construir a língua espanhola é conhecida. De resto, é muito similar. Nós temos.
00:11:50:07 – 00:11:50:24
MARCO NEVES
Os latinos.
00:11:51:01 – 00:11:54:07
JORGE CORREIA
O sujeito, o predicado e por aí fora. E, portanto.
00:11:54:08 – 00:12:19:12
MARCO NEVES
Aqui é muito diferente. Algumas diferenças mais do que nós pensamos, mas claro, são línguas latinas, línguas com uma estrutura semelhante. O vocabulário tem uma origem muito próxima, Mas é verdade que o castelhano temos muitas palavras que nós não tínhamos. Chegou a haver uma altura em que se calhar nós não temos essa possibilidade. Mas tendo em conta que o que sabemos sobre o que acontecia, era mais fácil encontrar palavras castelhanas na boca de um lisboeta do que de um galego.
00:12:19:14 – 00:12:21:16
MARCO NEVES
Porque os galegos Castela era uma língua.
00:12:21:16 – 00:12:23:11
JORGE CORREIA
Hoje lá está, Madrid é lá longe.
00:12:23:11 – 00:12:36:16
MARCO NEVES
No entanto, Lisboa tinha uma espécie de como é que esse fascínio pelo castelhano, que só desapareceu curiosamente primeiro depois dos Filipes e depois da nossa restauração. E aí?
00:12:36:21 – 00:12:37:17
JORGE CORREIA
E aí nós tivemos.
00:12:37:17 – 00:12:46:09
MARCO NEVES
Começou a existir e depois também com o francês. O francês é que foi. Foi a língua que nos veio, digamos, curar a moda do castelhano.
00:12:46:09 – 00:13:00:18
JORGE CORREIA
Porque lá vêm os estrangeirados, que são intelectuais, que vão para vão para Paris, vão e vêm de lá com as ideias do Iluminismo e da ideia da democracia. Também com a língua. Trazem, trazem a língua. Passa a ser chique falar francês.
00:13:00:18 – 00:13:25:09
MARCO NEVES
Foi esse o primeiro ponto. Foi a primeira fase, mas houve várias. A própria invasão, as invasões francesas, que falharam militarmente, felizmente, mas intelectual, que não falharam assim tanto. Quer dizer, a ideia de um Estado centralizado como a língua passou, Como já dissemos hoje, passou a ser muito importante ir a cavalo. Isto veio à própria língua francesa, que era a língua da nobreza, a língua da diplomacia, a língua.
00:13:25:11 – 00:13:32:02
MARCO NEVES
A ciência. Nunca foi tanto, mas também foi. Mas era uma língua muito, com muito, muito prestígio. E foi assim muitos países.
00:13:32:02 – 00:13:58:20
JORGE CORREIA
Não foi só uma coisa muito curiosa. Quando nós aprendemos uma língua estrangeira, o inglês ou o francês ou o espanhol, mas o inglês como como língua franca, que é a definição de si, continuamos a pensar na nossa língua materna em português, neste caso, e a ir fazendo quase traduções automáticas para o inglês até ao momento. E eu estou a ver isto nas gerações mais novas que que estão já.
00:13:58:22 – 00:13:59:08
MARCO NEVES
A pensar em.
00:13:59:08 – 00:14:03:19
JORGE CORREIA
Inglês, a pensar em inglês desde de e quase de uma forma quase nativa, quase bilíngue.
00:14:03:21 – 00:14:04:22
MARCO NEVES
A língua é uma.
00:14:04:22 – 00:14:06:00
JORGE CORREIA
Boa notícia, uma má notícia.
00:14:06:02 – 00:14:33:10
MARCO NEVES
Bem, vamos antes dizer responder diretamente a isso. Há que dizer que uma língua nós não usamos as línguas. Como é que é dizer Não são blocos uniformes. Por exemplo, se uma pessoa nasce em Portugal, cresce e vai viver, vai trabalhar numa determinada área para outro país, independentemente ser inglês, francês, o que for, se calhar o vocabulário daquela área onde trabalha vai ser muito mais natural para ele na língua onde está do que na sua língua materna.
00:14:33:12 – 00:14:42:19
MARCO NEVES
Tenho experiência pessoal. Por exemplo, o meu irmão está a viver em Inglaterra quando está a falar da área dele de programação. É muito mais fácil para ele falar inglês, Portanto.
00:14:42:19 – 00:14:49:08
JORGE CORREIA
As ferramentas, aquilo que precisa para usar, para definir aquilo que faz, como faz, aquilo que os clientes pedem e naquela.
00:14:49:08 – 00:15:03:00
MARCO NEVES
Língua. E não é uma questão de ser inglês. Atenção que estamos a falar de uma experiência que um emigrante português em França, mesmo que vá para França com 18, 19, 20 anos depois, aquela língua passa a ser a sua língua do trabalho.
00:15:03:02 – 00:15:10:03
JORGE CORREIA
Com as mãos move e está num determinado ambiente e vai recolhendo àquele ambiente e, portanto, apropria se daquelas palavras.
00:15:10:03 – 00:15:31:03
MARCO NEVES
E acontece a atenção. Isto acontece também dentro de cada língua, o que é interessante. E não é só com uma profissão. Por exemplo, vamos imaginar um miúdo brasileiro. Já estamos a falar disso. Que venha para cá para Portugal, com, sei lá, cinco anos, seis anos. Vem para cá, já sabe falar, tem o sotaque brasileiro, vem para cá, os colegas não têm e depois lá já podemos falar sobre o que é que está a acontecer com os colegas dele.
00:15:31:04 – 00:15:38:22
MARCO NEVES
Mas o que é curioso, isto eu já vi ao vivo, como em muitos casos, é que rapidamente ganhou o sotaque português falado pelos colegas.
00:15:38:22 – 00:15:40:16
JORGE CORREIA
O pensar no beta, por exemplo.
00:15:40:16 – 00:15:45:01
MARCO NEVES
Mas o tempo já foi mais tarde. Muitos miúdos que quando são mais novos conseguem ganhar sotaques com muito mais facilidade.
00:15:45:01 – 00:15:47:14
JORGE CORREIA
Em maior cidade conseguem mais, mas.
00:15:47:14 – 00:16:00:00
MARCO NEVES
Não perde o anterior. Isso é que é interessante e às vezes a misturas se se estiver a falar com os pais em geral, isto depende de pessoa para pessoa, família para família. Mas em geral vai usar o sotaque brasileiro com os pais e vai usar o sotaque português com os colegas.
00:16:00:00 – 00:16:01:21
JORGE CORREIA
É como se tivesse duas cassetes no cérebro.
00:16:02:02 – 00:16:27:11
MARCO NEVES
Que está sempre à mão e outro que não é bilíngue, porque estamos a falar da mesma língua, mas em variedades diferentes. Mas chama se bi dialetal. Mas curiosamente também também acontece isso cá em Portugal. Se nós pensarmos bem, todos temos experiências de amigos, por exemplo, que vêm de uma zona que tem um sotaque muito marcado, em que, por exemplo, eles ao falarem com os pais, falam com o sotaque mais próximo deles e quando vêm falar connosco já fala.
00:16:27:16 – 00:16:32:04
MARCO NEVES
Isto vejo eu próprio. Se calhar faço isso. Nós, nós nunca notamos. Quando nós próprios fazemos, não notamos.
00:16:32:04 – 00:16:35:21
JORGE CORREIA
Que lá está quando eu vou à minha. Ou é dizer se seja eu sotaque de Lisboa?
00:16:35:21 – 00:16:36:16
MARCO NEVES
Pois há também.
00:16:36:18 – 00:16:39:05
JORGE CORREIA
Muito, mas tantos.
00:16:39:07 – 00:16:51:06
MARCO NEVES
Que o mecanismo é um mecanismo psicológico muito curioso. Quando nós estamos a querer aproximarmo nos da outra pessoa, nós naturalmente, quase que, portanto, começamos a falar com outra pessoa.
00:16:51:06 – 00:16:57:05
JORGE CORREIA
Isso sim são os sotaques, são as formas, são as palavras, são os ritmos.
00:16:57:07 – 00:17:19:23
MARCO NEVES
O sotaque, aquilo que nós fazemos de forma mais inconsciente. Porque o sotaque, a forma como nós pronunciamos as palavras, nós não temos assim um controlo tão grande em relação a isso. Naturalmente, uma pessoa que venha para Lisboa começa a ganhar o sotaque. Lisboa Uma pessoa vai para o Porto também ganha. Nem sempre as pessoas notam isto porque é claro que o sotaque que nós chamamos de Lisboa de forma muito imprecisa é mais visível.
00:17:19:23 – 00:17:36:24
MARCO NEVES
Está na televisão, está na rádio. Mas eu também tenho colegas que foram viver para o Norte e hoje eu não consigo distinguir o sotaque deles. Está como pessoa do Norte, portanto, isto acontece com muita facilidade. Portanto, o vocabulário também acontece, mas a pessoa consegue controlar um pouco melhor aquilo que tem.
00:17:36:24 – 00:17:39:24
JORGE CORREIA
Porque algumas palavras que são para as palavras marca.
00:17:39:24 – 00:17:41:18
MARCO NEVES
Exactamente as palavras que nós sabemos.
00:17:41:18 – 00:17:42:20
JORGE CORREIA
O morcão do Porto.
00:17:43:01 – 00:17:50:07
MARCO NEVES
São naquela Catarina e a pessoa pode dizer não, não vou usar estas palavras neste contexto, a não ser que esteja tão enfeitada que fique o facto de.
00:17:50:09 – 00:17:53:09
JORGE CORREIA
Por falar em irritações e de uns palavrões.
00:17:53:11 – 00:17:55:08
MARCO NEVES
Também dizemos agora.
00:17:55:10 – 00:17:57:06
JORGE CORREIA
Para amanhã, isto é.
00:17:57:08 – 00:17:58:03
MARCO NEVES
As regras aqui.
00:17:58:05 – 00:18:01:15
JORGE CORREIA
Os palavrões, os palavrões cabem no dicionário.
00:18:01:15 – 00:18:21:00
MARCO NEVES
Cabem, cabem, estão lá, fazem parte da língua. Aliás, são das palavras mais antigas. Gostam? Estão. O problema dos palavrões é que normalmente não aparecem na escrita, mas quando aparecem vês que não mudam assim tanto como as outras palavras estão ali, falidos ao longo do século, a.
00:18:21:00 – 00:18:24:23
JORGE CORREIA
Uma a uma a uma dialética do palavrão a um.
00:18:25:00 – 00:18:49:24
MARCO NEVES
Palavrão. O palavrão existem praticamente em todas as línguas, com forças diferentes e com origens diferentes. Normalmente vem de partes do corpo humano, de de religião, coisa que em português não funciona muito bem. Nós em português normalmente são partes do corpo humano ou insultos e aqui temos os nossos palavrões. Mas há muitas culturas onde os palavrões vêm da religião.
00:18:50:04 – 00:18:52:03
MARCO NEVES
Por exemplo.
00:18:52:05 – 00:18:53:11
JORGE CORREIA
Falam disso.
00:18:53:13 – 00:19:07:20
MARCO NEVES
Na Suécia. Não, não se sueco. Mas isso é o que acontecia no próprio inglês. Só bem, tendo em conta aquele tabu que dizer o nome de Deus em vão implicava a própria palavra My God era considerado wearing, ou seja, era dizer um palavrão.
00:19:07:20 – 00:19:08:14
JORGE CORREIA
Era praguejar e.
00:19:08:16 – 00:19:32:13
MARCO NEVES
Praguejar. Tanto assim é que eu usei a palavra inglesa porque estava a falar do jogo do inglês. Mas tanto assim era que existe em inglês aquilo que nós cá também temos para substituir os palavrões, que são aqueles palavrões como caraças. Sim, como bolas ou como são palavras que não são palavrões mas estão a substituir. Então e não só para eles tem também isso para o nome de Deus tem gosto por Jamaica.
00:19:32:13 – 00:19:33:10
JORGE CORREIA
Acho.
00:19:33:12 – 00:19:35:18
MARCO NEVES
O caraças para Deus.
00:19:35:20 – 00:19:44:09
JORGE CORREIA
E essas palavras as palavras supostamente são todas iguais. Elas de alguma maneira não são todas iguais.
00:19:44:09 – 00:19:45:16
MARCO NEVES
Não, não são todas iguais.
00:19:45:18 – 00:19:46:20
JORGE CORREIA
Mas porque têm uma carga.
00:19:46:20 – 00:20:11:16
MARCO NEVES
Tem uma carga muito forte, têm sempre uma carga. Nós sabemos disto. Os palavrões são uma espécie de exemplo de como é que quer dizer extremo exemplo extremo disto. Mas isto acontece com todas as palavras. Basta pensar que como é que um palavrão? Há muitos estudiosos de palavrões que existem, que existem pessoas que estudam palavrões e há sempre aquelas discordâncias sobre exactamente o que é um palavrão.
00:20:11:16 – 00:20:11:23
MARCO NEVES
Não é o.
00:20:11:23 – 00:20:16:24
JORGE CORREIA
Que eu quero imaginar. Uma discussão académica sobre académicos, sobre uma tese de doutoramento? Existem.
00:20:17:00 – 00:20:17:18
MARCO NEVES
Existem muito que.
00:20:17:18 – 00:20:19:10
JORGE CORREIA
Existem. Isso é tão bom.
00:20:19:12 – 00:20:33:20
MARCO NEVES
Mas o palavrão em geral está, digamos, no cérebro. Num sitio mais primitivo. Está lá guardado no sítio, mais primitivas. Como é que ele lá ficou? Ficou lá precisamente pela reação que as pessoas têm ao palavrão. É uma espécie de pescadinha de rabo na boca.
00:20:33:20 – 00:20:35:15
JORGE CORREIA
Alimentamos um tabu sobre aquela palavra.
00:20:35:16 – 00:20:53:10
MARCO NEVES
O tabu enterra a palavra, digamos, uma parte mais primitiva. E por isso é que nós, quando damos corpo com o pé na porta, dizemos um palavrão, quase como se fosse um grito, como se fosse uma expressão animalesca. É nojento. É uma palavra, é uma palavra culturalmente, mas.
00:20:53:10 – 00:20:55:14
JORGE CORREIA
Tem uma energia quase de libertação.
00:20:55:16 – 00:20:58:08
MARCO NEVES
De libertação. Precisamente. Nós não podemos dizer sempre então.
00:20:58:08 – 00:21:05:08
JORGE CORREIA
E ali temos um bom pretexto para poder dizer e dizemos às crianças Cuidado! Pimenta na língua gostam, as expressões, aparecem expressões.
00:21:05:10 – 00:21:22:11
MARCO NEVES
Mas eu disse que era um caso extremo. Mas todas as palavras têm o seu valor e têm o seu. Tem sua marca social, a sua marca. Palavras que nós se calhar dizemos e criam sensações nas outras pessoas e em nós, até um sotaque. Há pessoas que não gostam de um determinado sotaque, que não.
00:21:22:11 – 00:21:23:02
JORGE CORREIA
Gostam sim.
00:21:23:03 – 00:21:37:04
MARCO NEVES
Que não, não, que acham que é, que acham que é uma forma rude de falar. Isso é uma ideia tão inscrita na cabeça de algumas pessoas, muitas vezes não por culpa delas, que é muito difícil ultrapassar isso.
00:21:37:08 – 00:22:01:08
JORGE CORREIA
Estava me agora a lembrar de uma palavra que agora está até muito nas notícias, por outras razões, que era uma palavra que representava sempre algum choque e nunca consegui compreender porque que era a palavra parir. Sim, que é o nome técnico que os médicos não é o nome que o povo dá porque é parir, mas tem essa conotação de tentar, de tentar.
00:22:01:08 – 00:22:03:19
JORGE CORREIA
Ah, não foi nascer, foi dar à luz.
00:22:03:19 – 00:22:11:24
MARCO NEVES
Foi como a palavra morrer. Nós também tentamos sempre arranjar eufemismos. Parece que arranjamos eufemismos para nascer e para morrer. O que é curioso.
00:22:12:04 – 00:22:15:22
JORGE CORREIA
Os fenómenos extremos da vida. Nós arranjamos uma maneira de aplainar a linguagem.
00:22:15:24 – 00:22:32:14
MARCO NEVES
Porque tendemos sempre a fugir. Só que isto é um ciclo. Se nós começarmos a usar muito uma terminada palavra, até mesmo quando queremos definir, quando queremos falar de certas realidades, como por exemplo, algum tipo de deficiência, a pessoa cega, o invisual. A este ciclo tentarmos encontrar palavras que.
00:22:32:19 – 00:22:33:10
JORGE CORREIA
Nada.
00:22:33:12 – 00:22:43:23
MARCO NEVES
Que não sejam tão diretas, porque temos a sensação de que estamos a ser um pouco como é que quer dizer rudes ao falar da realidade. E depois vamos sempre tentando encontrar outras palavras, eufemismos.
00:22:44:01 – 00:22:56:02
JORGE CORREIA
Não vou me meter num beco sem saída ou no caminho das silvas, mas vamos juntos. Daí que eu estou a ouvir falar e pensar assim. Então é o politicamente correto.
00:22:56:04 – 00:23:13:09
MARCO NEVES
É um senão parecido com aquilo que eu acabei de dizer, ou seja, a pessoa quer usar, ou seja, vamos lá ver Eu A minha perspetiva é que o politicamente correcto muitas vezes é depende de cada perspetiva. Cada pessoa tem intenções boas, ou seja, a pessoa quer melhorado muito na sua perspetiva, que de.
00:23:13:09 – 00:23:15:10
JORGE CORREIA
Vez em quando não precisa, não fica um bocadinho fascista.
00:23:15:11 – 00:23:24:06
MARCO NEVES
O que acontece é que tenta fazer isto começando pelo fim, ou seja, começando por tentar mudar a língua para ver se depois o mundo vai atrás.
00:23:24:08 – 00:23:32:12
JORGE CORREIA
Uma forma, uma norma censória sobre para mudar esta cultura, para mudar este ponto de vista, eu tenho que mudar a maneira como escrevemos e como falo.
00:23:32:12 – 00:24:01:05
MARCO NEVES
Só que eu acho é começar pelo fim, porque o mundo realmente muda, porque a língua muda. Não quer dizer que nós não tenhamos cuidado, porque nós temos que dizer as palavras tem este valor, tem esta, tem esta força. Portanto, podem agredir as pessoas. Podem ser, temos. Eu não tenho nada contra nós querendo dizer termos consciência daquilo que estamos a fazer com as palavras, Portanto, podemos estar a atacar alguém, podemos estar a insultar isto.
00:24:01:05 – 00:24:12:05
MARCO NEVES
É bom que tenhamos essa consciência e que façamos aquilo que queremos. Agora, não é proibindo determinadas expressões, determinadas formas de falar ou de dizer que as realidades desaparecem.
00:24:12:06 – 00:24:37:20
JORGE CORREIA
A língua é construída por um conjunto de normas as palavras, os significados. Como é que nós fazemos? Os estudiosos dedicam se a estudar. Nós dedicamo nos a tentar destruir a língua, dando tapas, provocando surpresas. Sempre foi assim. As coisas são assim. Mas quando quando nós olhamos para a linguagem, lá está o todo diz que é o que eu me lembro imediatamente o tentar tornar a língua absolutamente neutra.
00:24:37:20 – 00:25:04:17
JORGE CORREIA
E eu não estou só a pensar na questão da neutralidade de género. Estou. Mas até que ponto é que essa ideia lá está? Benigna, em princípio, que eu quero? Que é que as palavras não, não me firam e não sejam intrusivas ou ameaçadoras de alguma maneira? Até que ponto é que essa maneira de olhar as coisas pode ou não alterar quase a norma gramatical e o pensamento?
00:25:04:17 – 00:25:05:07
JORGE CORREIA
A própria língua.
00:25:05:13 – 00:25:06:08
MARCO NEVES
Eu diria de.
00:25:06:08 – 00:25:07:10
JORGE CORREIA
Uma forma quase automática.
00:25:07:10 – 00:25:28:07
MARCO NEVES
E embora a questão da norma desse campo de o que o que eu diria seria um pouco voltar atrás que estava a dizer que quando a pessoa tenta impedir determinada, ou seja, dizer que a norma agora tem, dizer que não se pode fazer assim, vamos imaginar o que é que vai acontecer. Algo parecido com o que aconteceu com os palavrões que estávamos ainda agora a discutir.
00:25:28:07 – 00:25:29:15
JORGE CORREIA
Achamos escondê las na parte de.
00:25:29:15 – 00:25:33:16
MARCO NEVES
Baixo, escondê las. Elas não desaparecem. Começam a ganhar uma força muito grande, uma força.
00:25:33:16 – 00:25:34:05
JORGE CORREIA
De reação.
00:25:34:05 – 00:25:45:03
MARCO NEVES
Uma força de reação muito tão forte que acabam por ser ainda mais ofensivas e ainda mais agressivas do que eram antes. Precisamente porque houve aqui uma tentativa de deturpar essas palavras.
00:25:45:03 – 00:25:53:08
JORGE CORREIA
Portanto, esta ideia de que nós vamos tentar mudar o mundo pelo nosso prisma pode aditivo dar ainda mais esta nota.
00:25:53:09 – 00:26:03:07
MARCO NEVES
Se isso nota se como por vezes mesmo certas causas, aquilo que nós sabemos que muitos destes movimentos e destas discussões têm o centro nos Estados Unidos.
00:26:03:09 – 00:26:04:14
JORGE CORREIA
É daí que vem.
00:26:04:16 – 00:26:34:20
MARCO NEVES
Muitas guerras culturais. Por vezes vê se hoje quando nós olhamos até para as redes sociais, onde estas guerras são muito visíveis. Eu até tenho a teoria de que são muito visíveis precisamente, que as pessoas não estão de corpo presente e por isso tudo é mais fácil entrar nestas. Mas isso é outra discussão. O que nós vemos é que, por vezes, certas expressões que poderiam ser consideradas vagamente ofensivas ou umas décadas, hoje são usadas de forma muito mais agressiva e muito mais ofensiva até do que do que no.
00:26:34:20 – 00:26:38:05
JORGE CORREIA
Início dos americanos. Com a palavra nigger, por exemplo, dizem aquilo que é.
00:26:38:05 – 00:26:41:02
MARCO NEVES
Claramente diríamos uma rádio americana e é.
00:26:41:04 – 00:26:42:10
JORGE CORREIA
Dramático poder.
00:26:42:12 – 00:26:58:07
MARCO NEVES
Mas é curioso como até os próprios negros americanos fizeram uma coisa muito curiosa, que é precisamente desmontar a palavra. Eles próprios usam para lhes tirar a vista. Nós conseguimos ver muitos negros a usar a palavra para lhes tirar essa, esse estigma, a palavra hoje.
00:26:58:08 – 00:27:19:06
JORGE CORREIA
E isso às custas das importações. É muito engraçado. Há uns anos, se calhar até mais do que agora, um bocadinho, ainda víamos nas apresentações públicas. Então quando estávamos a falar de negócios anglicismos, ainda vemos que esta perna está sempre. Há sempre uma frase em português. Há três expressões em inglês.
00:27:19:08 – 00:27:49:18
MARCO NEVES
Eu diria que vamos só separar aqui duas questões uma questão de estrangeirismos podem ser evitados, não podem ser evitados na sua totalidade. Todas as linhas andamos sempre em inglês. Também tem palavras portuguesas e nós até achamos meio engraçado o contrário, aquilo que é o problema aqui. Eu acho que há dois problemas. Um deles mais difícil de resolver, porque mais uma vez, nós não podemos pôr a língua à frente do que se passa no mundo.
00:27:49:18 – 00:27:59:09
MARCO NEVES
O primeiro problema é uma questão de como a dieta nós. Nós podemos comer de vários sítios, não só comermos uma coisa temos um problema.
00:27:59:12 – 00:28:00:17
JORGE CORREIA
Andamos por isso a comer demasiada.
00:28:00:20 – 00:28:17:24
MARCO NEVES
Língua. É exactamente o inglês, é a nossa alimentação. É quase como se estivéssemos todos os dias a ir ao McDonald’s. Se escala, que é uma associação. Isso pode levar a uma certa, a um certo desequilíbrio e não só um desequilíbrio. Depois há situações em que repente e já acontece isso nalguns países o inglês começa mesmo a substituir a língua.
00:28:17:24 – 00:28:22:00
MARCO NEVES
Nesse país até podemos falar a seguir. O segundo problema, que é mais fácil de resolver.
00:28:22:00 – 00:28:31:10
JORGE CORREIA
É curioso porque estás a dizer isto e eu estou a pensar assim. Eu ontem tive numa apresentação pública feita em português por um português numa escola de negócios e o seu primeiro slide.
00:28:31:12 – 00:28:31:17
MARCO NEVES
Era de.
00:28:31:17 – 00:28:38:12
JORGE CORREIA
Língua e vírgula diapositivo. A palavra diapositivo era uma frase em inglês.
00:28:38:14 – 00:28:54:23
MARCO NEVES
E que foi então no mundo universitário. Quer dizer, mesmo entre pessoas que não são necessariamente simpáticas ao inglês é quase como avassalador. Quer dizer, o inglês. No mundo científico, o mundo universitário está em.
00:28:54:23 – 00:28:57:16
JORGE CORREIA
Peso, é quase uma língua, é a língua franca, sim.
00:28:57:16 – 00:29:12:19
MARCO NEVES
Mas mais até do que às vezes as pessoas têm isso. Há muitas aulas em nas universidades que são dadas em inglês. Porquê? Porque a universidade tem uma necessidade muito prática de chamar alunos de muitos países. E quando o inglês vai servir de língua franca e.
00:29:12:21 – 00:29:18:01
JORGE CORREIA
De uma forma mais clara e os portugueses que se lixem. Nada para dizerem aquilo mesmo.
00:29:18:03 – 00:29:35:10
MARCO NEVES
Mas aqui está um segundo problema. Este primeiro problema que no fundo é mais grave, mas é mais difícil de resolver, porque é uma questão no fundo, política, cultural, que também está associada a vantagens que nós temos. Uma língua, uma língua franca, tem vantagens que nós não temos. Não nos podemos esquecer que o inglês ajuda.
00:29:35:16 – 00:29:39:04
JORGE CORREIA
Quando vamos viajar. Saber onde é que vamos andar, que encontramos uma comida, qual o transporte?
00:29:39:04 – 00:29:59:09
MARCO NEVES
Claro que sim, coisas positivas. Mas depois também há estas outras consequências que nós poderíamos se calhar pensar um pouco mais nelas. Mas há outra questão mais fácil de resolver, que é a questão do estilo. O que quer dizer com isto? Se eu sou um economista e não nada contra os economistas, não é um profissional de qualquer área, vou fazer uma apresentação pública em Portugal para portugueses e metade das minhas palavras são em inglês.
00:29:59:11 – 00:30:02:08
MARCO NEVES
Isto é uma questão de comunicação.
00:30:02:10 – 00:30:02:21
JORGE CORREIA
Falta de respeito.
00:30:03:00 – 00:30:05:11
MARCO NEVES
Ele não quer chegar a isso.
00:30:05:13 – 00:30:09:03
JORGE CORREIA
Não cuidas da tua audiência. Sela justamente o código que é falar português, que.
00:30:09:06 – 00:30:19:07
MARCO NEVES
É um problema parecido com aqueles especialistas que não conseguem chegar à Terra e falar com as pessoas que não são especialistas? Não necessariamente. Não é. Não é tornar as coisas mais simples.
00:30:19:13 – 00:30:26:17
JORGE CORREIA
É uma demonstração de porque esta é uma pergunta simples. É uma demonstração de poder.
00:30:26:19 – 00:30:44:11
MARCO NEVES
Eu não quero ser eu a dizer. Pode ser em muitas situações, mas às vezes é mesmo só falta de capacidade de comunicar com quem está à nossa frente, porque não é só a questão do uso do inglês, é o perceber que há certas palavras que entre os pares querem dizer uma coisa, mas nós estamos a falar com duas pessoas, temos de saber traduzir.
00:30:44:11 – 00:30:45:11
MARCO NEVES
É uma questão de tradução e que.
00:30:45:16 – 00:30:50:12
JORGE CORREIA
Quem está a ouvir não domina o código, não domina aquela expressão, não percebe sequer a nuance que.
00:30:50:12 – 00:30:54:20
MARCO NEVES
Não tem. E isso é verdade, não tem o poder suficiente para dizer olhe, desculpe, não percebi nada.
00:30:54:22 – 00:31:03:01
JORGE CORREIA
Já tem princípio. Eu estou me sentir estúpido. Está aqui a dizer uma coisa que eu não, que eu não consigo perceber De que é que está a dizer. A questão de tradução, lá está.
00:31:03:03 – 00:31:20:24
MARCO NEVES
A tradução é que tanto pode ser. Eu sei que estávamos a falar inglês, mas eu estou a ir mais mais longe do que isso. Mesmo falando só português e mesmo evitando todas as palavras inglesas, se isso fosse possível, poderíamos ter o mesmo problema. Não é? Poderia haver uma pessoa que falava de tal maneira que olha, se não compreende.
00:31:21:03 – 00:31:50:04
JORGE CORREIA
O que pensar. Aquele médico super especialista que fala exatamente essas palavras que nós todos não dominamos. Há aqui o novo. O novo mundo é um mundo das redes sociais, da electrónica. Até agora nós falávamos ao telefone ou ao vivo, estávamos com amigos, com as nossas pessoas e hoje apanhamos nos cada vez mais por uma questão prática e se ocupa menos tempo a trocar mensagens.
00:31:50:08 – 00:32:06:14
JORGE CORREIA
Parece resto. Nós começamos a trocar umas frases quando se está a combinar isto ou o raio do problema é que aquilo que está escrito numa mensagem é difícil às vezes de interpretar. Às vezes não era bem aquilo que a gente queria dizer aqui.
00:32:06:16 – 00:32:29:03
MARCO NEVES
Este é o nós. Muitas vezes dizemos que língua como os problemas, estará e sempre esteve. E é uma discussão. Mas aqui, na nossa época, precisamente na nossa época, estamos a viver uma fase de transição que é particularmente perigosa. Nesse sentido, na minha opinião. Eu não acho que a língua, no que toca à gramática, no que toca ao uso, esteja particularmente a passar por fases diferente do que já passou.
00:32:29:05 – 00:32:53:10
MARCO NEVES
Não tenho essa perspetiva e temos é uma língua a ser usada por pessoas mais diferentes de contextos, de dizer que vêm de sítios diferentes e por isso tem mais, tem uma certa tensão linguística. Mas isso é uma questão diferente, Não quer dizer nós, para dar uma certa perspectiva histórica, nós estamos a viver a primeira época nos últimos 50, 60 anos, em que a grande maioria da população do mundo é Aqui estão.
00:32:53:16 – 00:32:59:20
MARCO NEVES
O mundo sabe ler e escrever muito mais de metade da população saber escrever. Isto não acontecia antes.
00:32:59:22 – 00:33:00:18
JORGE CORREIA
Ou falavas.
00:33:00:24 – 00:33:01:01
MARCO NEVES
Ou.
00:33:01:01 – 00:33:04:08
JORGE CORREIA
Falavas e ouvias ou ninguém te fez um grupo.
00:33:04:12 – 00:33:22:23
MARCO NEVES
De pessoas que sabiam ler, escrever. E esse grupo de pessoas é o mais visível. São as pessoas que escreveram os livros que nós lemos, que que escreveram, os relatos que nós conhecemos e nós temos aquela sensação que as pessoas, mesmo que nós saibamos conscientemente que não era assim. Nós olhamos para a época de Camões e nós conhecemos aquilo que foi escrito por incrível.
00:33:22:23 – 00:33:24:08
JORGE CORREIA
3% da população.
00:33:24:08 – 00:33:36:05
MARCO NEVES
Uma percentagem minúscula da população, a maior parte da população. Nem sequer nascemos no século XVI e se fossemos para o interior do país? A maior parte as pessoas nem sequer sabiam que eram portugueses. Lá, nunca tinham ouvido falar desse conceito e.
00:33:36:05 – 00:33:43:07
JORGE CORREIA
O rei lá mandava. Os arautos que chegavam ao centro da aldeia abriam e diziam que vão pagar mais impostos.
00:33:43:09 – 00:33:59:07
MARCO NEVES
Certamente, e só teriam de pagar. Mas nem sequer sabiam do que aquela pessoa vinha. Se vinha de um lado e do outro, a maior parte das pessoas não teria sequer noção disso. Tinha noção muito precisa do que faziam da sua terra. Não eram pessoas, ao que se pode dizer, não eram pessoas ignorantes. Eram pessoas que conhecia muito bem o seu mundo.
00:33:59:07 – 00:34:02:02
JORGE CORREIA
Não eram estúpidas, não sabiam era apenas ler.
00:34:02:04 – 00:34:20:10
MARCO NEVES
Não eram ignorantes do seu mundo. Não é um estúpido? Certamente não sabiam ler. Também não era muito necessário, não era nada de muito importante. Hoje vivemos numa época em que, infelizmente, ainda há pessoas que não sabem ler. Não muitas, mas agora é absolutamente impossível viver saudavelmente em sociedade sem saber ler escrever.
00:34:20:12 – 00:34:36:10
JORGE CORREIA
Mas agora lá está, nos WhatsApps eu estou a pensar na geração mais e mais. Mais jovem. Em primeiro lugar, usam palavras cortadas, siglas, usam grafismos que não têm a ver com a maneira como nós escrevemos as palavras.
00:34:36:12 – 00:35:08:02
MARCO NEVES
Isso porque, para começar, temos. Estamos a viver nessa tal época em que nós podemos conversar e, digamos, conviver pela escrita. Por exemplo, era difícil. Na minha sempre houve cartas entre quem sabia escrever, mas as pessoas não namoravam muito pela escrita. Escrevemos cartas, mas era algo que se fazia de vez em quando. Um ou dois miúdos que namoram escrevem sabe se o que foi e por isso a escrita tem uma presença.
00:35:08:04 – 00:35:12:15
MARCO NEVES
Sempre que digo isto, alguém me disse estamos agora já estão sempre a enviar mensagens de voz. É verdade, isto vai por.
00:35:12:15 – 00:35:13:10
JORGE CORREIA
Trás, mas elas.
00:35:13:10 – 00:35:14:01
MARCO NEVES
Continuam a escrever.
00:35:14:01 – 00:35:15:05
JORGE CORREIA
Mais até escrever mais.
00:35:15:07 – 00:35:19:23
MARCO NEVES
Continuam a escrever mais do que nós, que propriamente nós escrevíamos naquela, naquela naquela idade.
00:35:19:23 – 00:35:39:02
JORGE CORREIA
Eu dou por mim muitas vezes a dizer já estou farto de dar ao dedo, Então eu ligo à pessoa e é muito curioso. Dependendo da geração, atendem ou falamos mais tarde. Se eu fizer isto com o meu filho, com a minha filha, muito provavelmente tenho um, diz e o faço uma pergunta e tenho um mês ou um ano.
00:35:39:04 – 00:35:41:04
MARCO NEVES
E tenho a mesma experiência.
00:35:41:06 – 00:35:43:23
JORGE CORREIA
E vai te embora que eu tenho outra coisa para fazer.
00:35:44:00 – 00:36:04:11
MARCO NEVES
Os códigos comunicação são diferentes entre gerações, mas ainda falar das abreviaturas aí eu tenho também que dizer que há outro fator que nós nos esquecemos que a escrita é material, material, mesmo digitalmente é material, isto é, um espaço que ocupa o que se passou Foi durante algum tempo que nós tínhamos os SMS’s que já não são a forma privilegiada.
00:36:04:17 – 00:36:05:13
JORGE CORREIA
E que eram caros.
00:36:05:13 – 00:36:07:12
MARCO NEVES
Eram caros e eram limitados. Eram considerados.
00:36:07:13 – 00:36:09:08
JORGE CORREIA
165 até o.
00:36:09:08 – 00:36:28:16
MARCO NEVES
Pouco, como no Twitter, também o atual X tínhamos um limite que levou empurrou algumas gerações. Fiquei na nossa a ter de escrever com a abreviatura o Coisa, que já se tinha visto anteriormente a um sinal de trânsito muito antigo em Lisboa, que muitas pessoas dizem é, nunca vi nada em contrário, que é o mais antigo sinal de trânsito no mundo.
00:36:28:17 – 00:36:30:24
JORGE CORREIA
Mesmo que seja um mito. É uma bela história, é.
00:36:30:24 – 00:36:35:21
MARCO NEVES
Uma bela história e é de facto muito antigo. Eu por acaso andei iNEVEStigar e não há sinais que sejam mitos.
00:36:35:23 – 00:36:37:09
JORGE CORREIA
Onde é que está o sinal que está cá?
00:36:37:09 – 00:37:02:18
MARCO NEVES
Não me lembro de estar em Alfama. Está em. Podemos lá ir visitar um dia destes, mas esse sinal escrito numa pedra era um sinal. Não havia para além do código da estrada. Portanto, aquilo é uma descrição. Quem vem ali da rua, tal como eu não me lembro exatamente, tem dado cedência de passagem e aquilo estava está descrito. É bastante longo, porque a Sua Majestade o Rei manda que quem vem é que quando chegar ao final da casa eu já não tinha um pedra, quase.
00:37:02:18 – 00:37:03:03
JORGE CORREIA
Um decreto de.
00:37:03:03 – 00:37:17:16
MARCO NEVES
Lei. Era quase um de uma pedra. Mas a certa altura a pessoa que estava a fazer aquilo chegou ao final e já não tinha pedra e vê se que a letra começa a diminuir e as abreviaturas começou a aumentar e temos abreviaturas só para conseguir pôr lá o sinal, o que quer dizer que era uma questão de espaço, não tinha espaço E isso aconteceu com os SMS’s.
00:37:17:18 – 00:37:22:08
MARCO NEVES
A verdade é que hoje no WhatsApp nós vemos abreviaturas na mesma, mas já não tanto, Ou seja, a.
00:37:22:08 – 00:37:24:12
JORGE CORREIA
Gente já está a expandir a língua outra vez.
00:37:24:12 – 00:37:30:00
MARCO NEVES
Até mais. Às vezes até até escrevemos mais do que preciso, pomos mais símbolos, pomos os tais.
00:37:30:05 – 00:37:30:19
JORGE CORREIA
Os emojis.
00:37:30:19 – 00:37:39:20
MARCO NEVES
Emojis, pomos. Se a pessoa escreve uma coisa assim, sem qualquer pontuação ou só com ponto final, nós até estamos bem. Está zangada?
00:37:39:22 – 00:37:56:16
JORGE CORREIA
E eu sei que o ponto é que uma coisa que nós dizemos cara a cara, nós conseguimos avaliar o tom de voz. Lá está, temos comunicação, o gesto, a faces, as sobrancelhas. Conseguimos perceber imediatamente Aquela pessoa está zangada, está feliz.
00:37:56:19 – 00:37:57:20
MARCO NEVES
Escrita, Não conseguimos.
00:37:57:20 – 00:37:58:21
JORGE CORREIA
É na escrita, não está.
00:37:58:23 – 00:38:02:22
MARCO NEVES
E é isso. E também conhecemos os emojis.
00:38:03:01 – 00:38:03:24
JORGE CORREIA
Para tentar salvar isso.
00:38:04:04 – 00:38:16:00
MARCO NEVES
Sim, porque as pessoas dizem isto é uma forma mais primitiva de escrever. Não é bem para nós. Não raramente, a não ser por brincadeira. Nós só usamos emojis. É relativamente raro. Nós usamos precisamente para tentar substituir.
00:38:16:02 – 00:38:16:21
JORGE CORREIA
Olha que eu estou brincar.
00:38:16:21 – 00:38:38:14
MARCO NEVES
Exactamente. A pontuação começou assim a pontuação. Durante o Império Romano não havia pontuação. Vi algumas tentativas de criar pontuação, mas se nós formos ver as inscrições e os documentos, mesmo escritos durante o Império Romano, tudo seguido, sem pontuação, sem espaços, tudo seguido. É sabido, por exemplo, que o Cícero disse que a pontuação era coisa de preguiçosos. Ela só.
00:38:38:16 – 00:38:48:15
MARCO NEVES
Já vi tentativas de criar pontuação, mas isso e os miúdos agora que vão tentar? No fundo, a pontuação serviu para pôr as pausas, pôr a entoação.
00:38:48:17 – 00:38:51:11
JORGE CORREIA
Portanto, ensinar ao outro como se deve ler a frase Nós escrevemos.
00:38:51:11 – 00:38:52:09
MARCO NEVES
Exactamente, exatamente.
00:38:52:10 – 00:38:55:22
JORGE CORREIA
E Mas apareceu o Saramago que decidiu subverter aqui estas.
00:38:55:22 – 00:39:03:14
MARCO NEVES
Coisas. Mas tem vírgulas. As pessoas dizem sempre que o Saramago não tem vírgulas, mas ele usa muitas vírgulas. É um mito. Não usa as outras, usa pontos e usa vírgulas. Só isso.
00:39:03:16 – 00:39:07:01
JORGE CORREIA
Então porque é que aquilo? Porque aquela escrita nos.
00:39:07:03 – 00:39:11:00
MARCO NEVES
Não é, Porque a pontuação ali é diferente no sentido em que usa mais vírgulas do que o habitual.
00:39:11:02 – 00:39:13:02
JORGE CORREIA
Está bem escrito. Claro que está bem escrito. Obviamente que eu.
00:39:13:02 – 00:39:31:07
MARCO NEVES
Fiz uma experiência agora até para um livro que aceite uma experiência que foi pegar num texto de Saramago e pôr na pontuação regular, digamos assim, com as traduções. Com os dois pontos. Melhorou assim, assim. Percebes o que é que eu queria fazer? O que eu queria ali fazer era dar aquela sensação de quem está a contar uma história.
00:39:31:13 – 00:39:35:01
MARCO NEVES
E o Pedro disse isto em azul E a jornalista que eu ia e a Teresa disse Couto.
00:39:35:02 – 00:39:37:09
JORGE CORREIA
Portanto, obriga nos a entrar naquele ritmo de linguagem.
00:39:37:09 – 00:39:58:00
MARCO NEVES
Exatamente o ritmo que eles criam. Podemos não gostar da atenção, ninguém é obrigado a gostar, mas é uma escolha estética, digamos assim, do autor, que depois levou estas a toda esta ideia de que alguma pontuação muito irregular é que levou. E é verdade, isso é verdade. E depois levou uma segunda ideia completamente falsa, que não usava vírgulas, quando na verdade as vírgulas estão lá.
00:39:58:02 – 00:40:01:00
MARCO NEVES
Só usava vírgulas, praticamente.
00:40:01:02 – 00:40:03:24
JORGE CORREIA
Ficava com os parágrafos sempre, sempre gigantescos.
00:40:04:01 – 00:40:04:21
MARCO NEVES
É isso mesmo que sim.
00:40:05:01 – 00:40:18:09
JORGE CORREIA
Qual é o nosso problema quase psicanalítico com as vírgulas? Por que uma coisa que está uma norma gramatical que supostamente toda a gente devia entender ou aprender sobre ela e, principalmente.
00:40:18:09 – 00:40:38:10
MARCO NEVES
Difícil o ponto final. Nós conseguimos. A vírgula nunca foi assim tão sólida que também como nós pensamos, fomos ao século XIX. Os escritores também estavam ali a vaguear com as vírgulas uma para outra e também não tinham. Essa foi uma norma que basicamente foi criada para poder ser usada nas escolas. As escolas começaram a expandir se, principalmente no do século XX.
00:40:38:10 – 00:40:51:06
MARCO NEVES
Era preciso ensinar a população e teve de ser feito uma descrição que é difícil, porque, como já tentei fazer e já fiz, tentar sistematizar essa norma, temos não sei quantas.
00:40:51:12 – 00:40:52:08
JORGE CORREIA
A várias normas.
00:40:52:09 – 00:41:15:23
MARCO NEVES
Não temos não sei quantos pontos, uns dez, 11, 12 pontos para conseguimos perceber que aquilo não é normal, que seja difícil, não é? Não é Agora, porque é que ser a vírgula não é para fazer pausas? Pode ser, mas não é. Essa regra é, acima de tudo, para organizar a frase para nós podermos, por exemplo, separar uma parte da frase e perceber que aquela frase que aquela parte tem uma está num nível diferente do resto da frase.
00:41:15:23 – 00:41:20:07
JORGE CORREIA
E tudo tem sido aí. Porque? Por que? Por que é que nós lutamos com as vírgulas?
00:41:20:09 – 00:41:41:10
MARCO NEVES
Precisamente porque a vírgula e determina a melhor e mais subjetiva, ou seja, está ali dentro da frase, enquanto que a unidade de frase é muito mais fácil de entender. A vírgula necessita de uma consciência sintática um pouco mais avançada. A pessoa tem que passar um pouco mais e por isso acaba.
00:41:41:12 – 00:41:50:11
JORGE CORREIA
E por isso, volta e meia estamos a assassinar a língua. Há uma coisa muito engraçada de que eu gosto muito nos espanhóis, que é pôr o ponto de interrogação no início da frase virado ao contrário.
00:41:50:13 – 00:41:51:03
MARCO NEVES
E nós somos.
00:41:51:09 – 00:41:56:16
JORGE CORREIA
Isto é um ponto de interrogação e, portanto, a imposição desta frase a determinar uma pergunta e nós.
00:41:56:18 – 00:41:57:17
MARCO NEVES
Já usámos isso.
00:41:57:19 – 00:41:58:03
JORGE CORREIA
E deixamos.
00:41:58:03 – 00:42:02:07
MARCO NEVES
Cair? Deixámos. Foi no século XIX. Nunca foi obrigatório a atenção, nunca foi como é.
00:42:02:09 – 00:42:05:03
JORGE CORREIA
Mas podia dar jeito ou não, Eu diria.
00:42:05:05 – 00:42:15:07
MARCO NEVES
Vamos lá ver. Dava jeito precisamente daquelas frases em que os escritores portugueses usavam que era em frases grandes Quando nós temos uma frase, três, quatro linhas.
00:42:15:12 – 00:42:16:12
JORGE CORREIA
Depois chegamos à página.
00:42:16:13 – 00:42:41:21
MARCO NEVES
E depois percebemos que é uma pergunta. Aí, nesse caso dava jeito. E os escritores portugueses, aqueles que usaram esta pontuação, sempre usaram. Neste caso, nunca fizeram como fazem espanhóis, em que usam qualquer qualquer interrogação. Tem aquele ponto. Não, não vejo que seja necessário. Enfim, é uma convenção para os espanhóis. Fazem sentido para nós? Não faz não. Não vejo que seja necessário impor essa convenção.
00:42:41:21 – 00:42:46:15
MARCO NEVES
Agora, quando temos uma frase muito grande, se calhar dava jeitinho.
00:42:46:17 – 00:42:56:06
JORGE CORREIA
Olha, há uma célebre história em Portugal de um decreto lei aprovada na Assembleia da República que depois, subitamente, a vírgula é o sentido da frase. Também eu era.
00:42:56:06 – 00:43:12:06
MARCO NEVES
Muito novo como isso aconteceu. Mas lembro me talvez antecipar um interesse particular nesta questão. Lembro me que eu ouvi falar, estava sempre a falar da vírgula no telejornal. Eu não sei que idade que tínhamos. Teria uma criança, talvez. E aquilo.
00:43:12:06 – 00:43:13:06
JORGE CORREIA
Não fazia sentido, Não.
00:43:13:06 – 00:43:35:07
MARCO NEVES
Fazia sentido. Mas lembro de estar a ouvir programas, estar sentados à mesa de jantar, a ouvir o telejornal e a ouvir a vírgula ou o escândalo da vírgula. Eu confesso que não faço ideia que virou aquela aquela manhã. Até hoje não sei o que é que se passou com a vírgula, mas é um facto que às vezes tirar uma vírgula em certas frases, ficando um pequeno exemplo, mas pode mudar o sentido da frase de forma muito.
00:43:35:07 – 00:44:02:22
JORGE CORREIA
Marcada, o que é extraordinário. Eu estou a falar sobre si e a minha cabeça levou me até ao Parlamento porque me lembro sempre dos grandes tribunos, em particular na altura do pós 25 Abril. Não só mesmo antes havia, mas havia muito movimento. Como é que está? Como é que está a nossa arte de bem falar? Surgiu eloquência e assim trocamos a eloquência pelo mundo prático de nós.
00:44:03:00 – 00:44:04:05
JORGE CORREIA
Tínhamos de parecer ir embora.
00:44:04:11 – 00:44:33:04
MARCO NEVES
Temos. Damos menos valor, se calhar, a uma certa eloquência de tribuno de falar em público, eu diria, talvez por causa e isto é uma tia minha. Não, não, não é nada por causa do microfone. O que é que quer dizer com isto? Eu ainda há uns tempos tive no Parlamento uma pequena visita e estava no plenário que não é assim tão grande como às vezes nós imaginamos, mas é grande, quer dizer, alguma dimensão.
00:44:33:06 – 00:44:44:04
MARCO NEVES
E eu estava a imaginar um mundo do século do século XIX, o mundo 19. Não aquela sala no século XIX, sem microfones, sem nada. A pessoa tinha de saber colocar a voz.
00:44:44:04 – 00:44:54:12
JORGE CORREIA
Onde os deputados se levantavam para ir até à zona central para falar diretamente e muitas vezes usando as tais palavras todas, algumas delas francamente insultuosas no Parlamento, não estão aqui.
00:44:54:15 – 00:45:19:00
MARCO NEVES
Quando alguém diz que hoje os deputados insultam, insultam, só não é de hoje até bastante mais violento a tradição. Uma tradição é uma tradição. Mas tinham esta necessidade de clareza, de estrutura, de chamar a atenção sem o microfone, que é o único fator. Estou a exagerar, mas essa necessidade hoje já não é tão visível.
00:45:19:00 – 00:45:31:01
JORGE CORREIA
Todavia, a mim, pelo menos, dá me gozo ouvir alguém que bem fala. Pode ser um político, pode ser um padre a dar um sermão. É essa essa arte do bem falar é uma coisa quase, quase encantatória.
00:45:31:02 – 00:45:57:11
MARCO NEVES
Sim, é verdade. Eu aqui diria eu que diria que há uma diferença cultural entre vários países. Por exemplo, se nós formos aos países anglo saxónicos, é na França também. Tanto quanto sei, também acontece isso. Há uma certa importância na aprendizagem de falar em público. As pessoas aprendem a falar em público. Como se aprende escrever um texto? Aliás, nós todos sabemos que há uma tradição grande de fazer debates simulados.
00:45:57:11 – 00:46:21:17
MARCO NEVES
Na Inglaterra, por exemplo. Nós sabemos, por exemplo, que políticos como o Barack Obama tinham uma oratória particular que era muito bem vista e que vê se que tem um certo grau de artificialidade, mas que é bem visto que aquele que está atento temos aquele prazer de estar a ouvir alguém falar bem em Portugal eu não me parece que haja um iNEVEStimento tão grande em ensinar a falar em público.
00:46:21:19 – 00:46:25:13
MARCO NEVES
Também não estou dizer que são os professores têm culpa disso, não tem nada a ver com isso, antes pelo contrário.
00:46:25:14 – 00:46:31:10
JORGE CORREIA
Sim, mas habitualmente nós não nos lembramos na escola de ter esse estímulo.
00:46:31:12 – 00:46:38:19
MARCO NEVES
Eu não conheço, mas não me lembro de todas as linhas dos programas. Mas não é algo que os que os alunos treinem falar em.
00:46:38:19 – 00:46:42:21
JORGE CORREIA
Público e, portanto, é difícil que eles consigam chegar a um nível de excelência em que não.
00:46:43:00 – 00:47:08:17
MARCO NEVES
Há esta tradição tão forte em Portugal. E haver, temos outra. Quer dizer, todos os países, todas as culturas têm as suas preferências, tem as suas falhas. A este ponto, se calhar nós podemos melhorar um pouco, tentar falar um pouco melhor em público. Não porque o ato estético de que estavas a dizer não é só uma questão de comunicação, porque a comunicação podemos fazer de várias formas, Não é um.
00:47:08:17 – 00:47:09:06
JORGE CORREIA
Prazer.
00:47:09:07 – 00:47:10:03
MARCO NEVES
Um certo prazer.
00:47:10:05 – 00:47:10:17
JORGE CORREIA
Na fala.
00:47:10:17 – 00:47:28:18
MARCO NEVES
E na escutatória, até na estrutura. Quando muitas vezes nós dizemos nós não podemos usar muitas repetições. É verdade, na escrita as posições ficam terríveis, mas na oratória, às vezes a repetição é precisamente o segredo. Gostaria de dizer um e o dois e dizer frases que são parecidas, mas que mudam ali. Qualquer coisa que muda.
00:47:28:18 – 00:47:32:08
JORGE CORREIA
É como a música na poesia. No fundo há ali uma, há ali um determinado.
00:47:32:10 – 00:47:44:16
MARCO NEVES
E são com diferença, ou seja, repetição. Mas o que vem, o que vem a seguir já é dito de outra forma e já começamos a perceber que a pessoa quer chegar e ela está a dizer isto e pois diz aquilo e está a acrescentar a estes.
00:47:44:16 – 00:47:48:06
JORGE CORREIA
Truques, está a levar nos, está no vamos no fundo, a embalar nos de forma.
00:47:48:06 – 00:48:12:04
MARCO NEVES
Encantatória, está a encantar nos com a voz e com o ritmo. É isto tudo isto treina se e. Há uma certa ideia de que nós temos de ser muito. Mas como é que dizer naturais é o. E este ser natural por vezes confunde se com improvisar.
00:48:12:06 – 00:48:18:10
JORGE CORREIA
Lá se vai a magia, a magia das coisas. Olha o acordo ortográfico, O sol vai.
00:48:18:11 – 00:48:19:10
MARCO NEVES
Instalar.
00:48:19:12 – 00:48:22:13
JORGE CORREIA
E salvar. Isto veio atropelar definitivamente.
00:48:22:15 – 00:48:45:09
MARCO NEVES
Nós começámos a nossa conversa. Eu comecei por dizer que o grande tema é quando estávamos a conversar e eu estava a dizer que um dos grandes temas quando falamos português é os erros. Nós falamos sempre de erros. Assim, quando falamos o português. O outro grande tema sobre o português é o acordo ortográfico. É o que posso dizer a mim.
00:48:45:15 – 00:48:46:13
JORGE CORREIA
Vale a pena discutir.
00:48:46:15 – 00:49:03:01
MARCO NEVES
Eu vou dizer que neste momento eu estou cansado de discutir, porque há muito extremismo dos dois lados. A questão já está um pouco cansada, mas eu vou dizer a minha opinião. Eu acho que o ortográfico foi desnecessário e tem problemas técnicos muito.
00:49:03:03 – 00:49:07:24
JORGE CORREIA
Portanto, foi um marco político e não um ato que a língua estivesse para fazer.
00:49:08:00 – 00:49:17:16
MARCO NEVES
Não, porque vamos lá ver o que é que o acordo que está feito tentou fazer e mesmo assim de forma falhada, na minha opinião, porque se era para unificar a ortografia, para unificar a ortografia e não foi isso que aconteceu, o que o.
00:49:17:16 – 00:49:20:06
JORGE CORREIA
Permite pode dizer desta maneira, daquela maneira, eu.
00:49:20:06 – 00:49:41:17
MARCO NEVES
Acho, Como não só acontece isso como Angola e Moçambique não aprovaram neste momento, pelo menos neste momento, até temos três ortografias, quer dizer, mas já nem sequer temos. Mas a questão não é essa. A questão é ou as diferenças que existem ou não existem no português de Portugal, porque do Brasil são outras. Quer dizer, ortografia era um pormenor?
00:49:41:19 – 00:49:47:19
MARCO NEVES
Era. Bastava ter dito que a ortografia brasileira e a ortografia portuguesas são ambas legítimas para a nossa língua.
00:49:47:19 – 00:49:49:23
JORGE CORREIA
Há duas formas de de dizer a mesma coisa.
00:49:49:23 – 00:49:57:20
MARCO NEVES
Continua a haver duas formas. Por isso, na prática, eu sempre li livros brasileiros. Sempre gostei, aliás, muito de ler livros brasileiros.
00:49:57:20 – 00:49:59:05
JORGE CORREIA
E todas as traduções.
00:49:59:07 – 00:50:00:01
MARCO NEVES
As traduções.
00:50:00:03 – 00:50:04:07
JORGE CORREIA
As traduções de livros de outras línguas em em português do Brasil, isso é.
00:50:04:07 – 00:50:05:10
MARCO NEVES
Outra questão diferente.
00:50:05:10 – 00:50:15:03
JORGE CORREIA
Não sei se eu estou a provocar por causa disso. Exatamente porque nós lemos um escritor, um Jorge Amado ou lemos o escritor ou um poeta brasileiro e.
00:50:15:04 – 00:50:17:04
MARCO NEVES
Aqui a ortografia não nos impede de ler.
00:50:17:04 – 00:50:21:00
JORGE CORREIA
É bonito, é aquilo é que tem uma música e as traduções, as traduções.
00:50:21:00 – 00:50:46:14
MARCO NEVES
E a explicação é a seguinte há uma tradição que noutros países não existe de de termos mercados de tradução completamente separados, portanto, em geral com uma ou outra exceção. Atenção, Mas em geral, se nós temos um livro francês que vai ser traduzido para português e traduzido por um tradutor português para Portugal e é trazido por um tradutor brasileiro para o Brasil de forma separada.
00:50:46:14 – 00:50:47:21
JORGE CORREIA
E são diferentes. De facto, as.
00:50:47:21 – 00:51:01:07
MARCO NEVES
Cópias são diferentes. Mas atenção, a língua espanhola também é diferente. No entanto, é mais, muito mais fácil encontrar uma edição espanhola que se vende na Argentina, mesmo numa tradução do que acontece no caso do Brasil e de Portugal.
00:51:01:07 – 00:51:02:07
JORGE CORREIA
O que vai acontecer é.
00:51:02:07 – 00:51:23:01
MARCO NEVES
Uma questão de separação dos mercados, ou seja, o Brasil, o que não há aqui propriamente um culpa só De um lado os portugueses têm um. Nós temos uma relação difícil com o Brasil por vários motivos, mas uma relação intensa de amor, de ódio. Temos uma relação intensa. Os brasileiros, pelo menos até há pouco tempo, tinham uma relação mais de indiferença com Portugal.
00:51:23:01 – 00:51:25:03
MARCO NEVES
Existia as piadas. Os portugueses sabem.
00:51:25:03 – 00:51:26:00
JORGE CORREIA
Que estavam lá na Europa.
00:51:26:03 – 00:51:51:10
MARCO NEVES
Mas não é nada que seja. Quer dizer, Portugal não era e não é ainda, embora eu penso que mesmo assim as coisas estão um pouco diferentes, até por causa da internet. Mas Portugal não era uma referência para nós brasileiros, portanto não vivemos em mundos diferente, separados, enquanto que no caso da língua castelhana, o que nós temos é um arquipélago de países, nenhum deles com uma dimensão tão grande como o Brasil tem.
00:51:51:12 – 00:51:57:00
MARCO NEVES
O México é muito grande, mas não chega a perto de metade da população que fala espanhol e.
00:51:57:00 – 00:51:58:16
JORGE CORREIA
Portanto, há um peso maior deles.
00:51:58:16 – 00:52:04:20
MARCO NEVES
E tem um peso tão grande que é quase para o Brasil. O resto dos países que falam português não são um.
00:52:04:22 – 00:52:24:07
JORGE CORREIA
Têm a ver com essa dimensão. Olha, nós estamos praticamente a fechar. Vi um episódio muito curioso do teu Instagram que tinha a ver com a maneira como se escreve e a maneira como escreve. Se escrevemos da esquerda para a direita, como habitualmente acontece, da direita para a esquerda, como também existe, nomeadamente dos países árabes. E subitamente tu sacas um conto da cartola.
00:52:24:07 – 00:52:33:08
JORGE CORREIA
E foi isso que me fascinou, que é. E há aqui uma maneira de falar, de escrever, em que cada um escreve para o lado que aparecer. No fundo eu estou aqui. A caricatura.
00:52:33:10 – 00:52:35:14
MARCO NEVES
Mas estrofe é uma estrofe.
00:52:35:16 – 00:52:36:24
JORGE CORREIA
É uma chama, tem um nome pomposo.
00:52:36:24 – 00:52:52:12
MARCO NEVES
Certamente é um nome grego. Há porque muitos textos gregos antigos, mais antigos ainda do que os gregos, que tinham esta forma curiosa de escrever. Nós achamos que é perfeitamente natural escrever da esquerda para direita. Há outros outros sistemas que escrevem da direita, esquerda.
00:52:52:14 – 00:52:53:19
JORGE CORREIA
Não me parece nada natural.
00:52:53:19 – 00:53:14:14
MARCO NEVES
Hoje, mas o árabe, por exemplo, escrito da direita para a esquerda, o japonês é escrito de cima para baixo, portanto varia. Agora houve este sistema usado pelos gregos e por alguns outros povos em que se escrevia da esquerda para a direita. Isso mudava se a direção e passávamos a escrever de direita para a esquerda, como se fosse um todo, um boi a lavrar a terra.
00:53:14:16 – 00:53:28:03
MARCO NEVES
Portanto, os caracteres mudavam de direção e nós e nós víamos a linha como se fosse uma cobra na página, o que é mais interessante e eu detesto. É pena termos perdido isso. Era difícil termos, mas era uma forma de escrita muito interessante.
00:53:28:07 – 00:53:33:11
JORGE CORREIA
Olha que já tens palavras de que gostas muito e outras que te arrepiam a alma.
00:53:33:11 – 00:53:49:08
MARCO NEVES
O Há uma que me arrepia e não tem razão nenhuma a dizer. Não tem a ver com o significado significado é muito positivo, mas eu acho uma das palavras mais feias e é tudo muito subjetivo. Que ósculo quer dizer mais Uma palavra antiga não.
00:53:49:08 – 00:53:51:14
JORGE CORREIA
É, em princípio, uma palavra bonita.
00:53:51:16 – 00:54:15:19
MARCO NEVES
Eu não aguento com aquela palavra uma pessoa que pensa que vai dar um ósculo quer dizer não, não, não sei, não, não, não. Palavras que quanto a outra, eu não vou fugir à questão. Mas vou dizer que, talvez precisamente por causa de toda esta minha atividade nas redes sociais. E eu gosto mesmo de muitas palavras, mesmo das mais comuns, às vezes até o de.
00:54:15:21 – 00:54:35:16
MARCO NEVES
E ainda há poucos dias fiz um vídeo a falar sobre a frequência com que as palavras são usadas e as pessoas estavam a perguntar. Eu não respondi ainda. Essas essas e essa pergunta qual é que é a palavra mais frequente do português? E algumas, algumas pessoas estavam a dar a hipótese e mãe e coisa não. As palavras mais frequentes do português são o.
00:54:35:18 – 00:54:36:16
MARCO NEVES
O artigo definido.
00:54:36:21 – 00:54:38:03
JORGE CORREIA
A palavra de ligação.
00:54:38:05 – 00:54:57:13
MARCO NEVES
De proposição, essas é que são as mais frequentes e são palavras que existem e que são essenciais e são as peças da língua. São essas palavras. Ninguém vai dizer que essas são as palavras mais bonitas da língua, mas eu, para dizer a verdade, considero que estas peças com que nós ligamos as palavras umas às outras e que nos permitem falar, tem a sua beleza e que são muito mais importantes do que nós costumamos considerar.
00:54:57:17 – 00:54:58:21
JORGE CORREIA
Marco Neves Muito obrigado.
00:54:59:01 – 00:55:00:22
MARCO NEVES
Obrigado, eu.
186 Episoden
Manage episode 445368801 series 3444813
Falar bem português e escrever em bom português é absolutamente crítico para comunicar na nossa língua.
E sim, calhou-nos uma língua complexa na rifa, difícil, cheia de palavras e regras.
Algumas até de difícil compreensão ou mesmo aparentemente contraditórias.
Deixem-me dar-vos o exemplo das vírgulas. Onde se põem as vírgulas.
Das várias fontes que consultei há, em princípio, 4 regras principais.
Mas depois são afinal 11 que até podem ser 15.
Se alguém tem outro número queira mandar uma mensagem ou deixar um comentário.
Mas o exemplo das vírgulas é tão fascinante que até há uma regra opcional.
Leio no ciberdúvidas que a frase ‘Depois, vamos sair para jantar.’ pode ter essa vírgula, ou, simplesmente, se quiser dar mais ritmo à frase, pode escrever sem vírgula ‘Depois vamos sair para jantar.’
Esta é conversa sobre línguas, sobre pontuações e até sobre palavrões.
Que são umas palavras muito especiais.
Cada língua leva dentro de si a cultura de um povo.
Mas não só.
Sim o poeta Fernando Pessoa disse:
“Minha Pátria é minha língua.” Mas a frase continua assim:
“Pouco se me dá que Portugal seja invadido, desde que não mexam comigo.”
Dificilmente encontramos uma frase que nos defina melhor, ao longo da história.
Volto às línguas.
Elas não são actos de cultura e comunicação.
Foram nascidas e talhadas como arma política.
Os franceses não falavam francês. Os italianos também não falavam a língua com que os ouvimos hoje descrever as mais belas coisas do mundo.
E as palavras tem significados literais e simbólicos.
São as chamadas expressões idiomáticas.
O “prego” italiano não é para pregar tábuas nem pregar aos peixes. Será o nosso “de nada”
E o “Raconter de salades” não é contar saladas, mas sim “contar uma história.”
E a história tem muito peso nesta coisa das línguas.
Porque a língua foi um instrumento político de unificação de um estado.
E, portanto, imposto ao povo. Muitas vezes usando o fio da espada.
Com esse conceito da língua enquanto norma, levamos todos com a mil regras a cumprir. Mas as línguas continuam vivas, recebendo influências das outras ou dos nossos brilhantes pontapés na gramática.
Se o pontapé for numa pedra, com força, e de pé descalço, então também recorremos à língua. Usando os palavrões. Palavras escondidas no subsolo do nosso cérebro.
São tabu, mas aliviam as dores.
As palavras contam.
As que dizemos. As que alguém entendeu, ou desentendeu.
Há palavras de que gosto.
Pode ser pelo significado ou pode ser, simplesmente, pelo som que se produz ao dizê-la.
A minha palavra preferida é “óbvio”
Gosto do som e do significado.
É simples, mas obriga a uma definição de sons. Uma dança entre o B e o V.
E é obviamente uma palavra aberta logo na primeira letra.
Olhem, obviamente volto para a semana.
E vocemessês também.
É óbvio.
E agora dai-me licença para fechar este parlatório.
Ou deveria dizer palratório?
Quem é Marco Neves?
Marco Neves nasceu em Peniche e vive em Lisboa. Tem sete ofícios, todos virados para as línguas: tradutor, revisor, professor, leitor, conversador e autor.
Não são sete? Falta este: é também pai, com o ofício de contar histórias. É professor na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e diretor do escritório de Lisboa da Eurologos. Escreve regularmente no blogue Certas Palavras. Já publicou os livros Doze Segredos da Língua Portuguesa, A Incrível História Secreta da Língua Portuguesa e o romance A Baleia que Engoliu Um Espanhol. Publicou também um ensaio literário, José Cardoso Pires e o Leitor Desassossegado. Regressa às dúvidas e subtilezas da nossa língua com a Gramática para Todos: O Português na Ponta da Língua.
O que aprendi neste episódio*:
O Poder da Língua: Reflexões sobre Normas, Resistência Cultural e Transformações Linguísticas
A língua, mais do que um simples meio de comunicação, é um reflexo das complexas dinâmicas de poder, história e cultura de uma sociedade. No mais recente episódio de “Pergunta Simples”, explorei o papel da língua na criação de normas, no estímulo à resistência cultural e na adaptação às transformações modernas. Durante a conversa, muitos pontos interessantes surgiram, que nos ajudam a entender melhor o que está por trás da forma como falamos e como nos expressamos.
Um dos temas centrais da conversa foi a relação entre a padronização da língua e a insegurança que isso pode causar. Desde que os estados começaram a criar normas linguísticas e a impô-las através da educação, o sentimento de inadequação ou erro tornou-se comum. Isso é especialmente evidente quando falamos da língua portuguesa. A forma como falamos, as palavras que escolhemos, e até o sotaque, muitas vezes fazem-nos sentir fora da norma, como se estivéssemos constantemente a cometer erros. Na verdade, essa sensação de inadequação está enraizada numa longa história de imposição de padrões linguísticos.
“A língua também é sempre alguma fonte de insegurança, porque a forma como é que é dizer por usar um enquadramento histórico, a partir do momento em que cada Estado criou uma língua, criou uma língua padrão e começou a pô-la na escola e a usá-la oficialmente.”
Quando olhamos para exemplos históricos, como a França, vemos que o processo de padronização linguística foi violento e frequentemente resultou na supressão de línguas minoritárias, como o occitano. Essas línguas, que tinham tanto prestígio quanto o francês na Idade Média, foram gradualmente marginalizadas, até serem vistas como “falar mal”. É fascinante pensar que muitas das línguas que desapareceram ou quase desapareceram não foram vítimas da sua falta de relevância, mas sim de um processo deliberado de repressão e normalização.
“Na França, este processo foi bem-sucedido. […] Esta língua era uma língua tão antiga como o que nós chamamos francês, tão antiga como o português, uma língua de muito prestígio. De repente, por causa deste processo […] começou a ser vista como falar mal.”
Ao olharmos para mais perto de casa, percebemos que o mesmo tipo de processos aconteceu nas zonas fronteiriças entre Portugal e Galiza. A ideia de uma fronteira linguística clara é relativamente recente, e durante séculos as pessoas nas áreas fronteiriças falavam o que sempre tinham falado, sem se preocuparem com a distinção entre “português” e “galego”. O Couto Misto é um excelente exemplo de como essas fronteiras não são apenas políticas, mas também culturais. A imposição de uma norma, tanto em Portugal como na Espanha, veio a criar uma barreira linguística que antes não existia.
“Falavam aquilo que se falava de um lado e do outro. Ninguém tinha exatamente a ideia de que falar português, falar galego, isso não era uma escolha que a pessoa fazia. Falava aquilo que sempre se falou desde a Idade Média.”
Outro tema que abordámos foi a constante importação de palavras de outras línguas e a questão dos estrangeirismos. A língua portuguesa é rica em empréstimos linguísticos, e muitas das palavras que usamos diariamente entraram no nosso vocabulário quase sem nos darmos conta. A influência do francês, por exemplo, é um caso clássico. A expressão “tem a ver” em vez de “tem que ver” é um exemplo de como as línguas estrangeiras moldam subtilmente a forma como falamos.
“Quando algo está à deriva em francês tem a ver. Tradicionalmente nós dizíamos sempre ‘isto tem que ver com’. Com a grande influência francesa, começamos a dizer ‘tem a ver’.”
Os palavrões também desempenham um papel interessante na nossa linguagem. Apesar de muitas vezes serem relegados ao “mau uso” da língua, os palavrões são algumas das palavras mais antigas que conhecemos e têm um poder expressivo único. Curiosamente, o uso de palavrões revela muito sobre a relação que temos com o tabu e com a repressão linguística. O facto de serem “escondidos” no nosso cérebro e usados em momentos de emoção intensa mostra que eles mantêm uma função muito primitiva, quase visceral, na nossa comunicação.
“O palavrão em geral está, digamos, no cérebro num sítio mais primitivo. Está lá guardado no sítio mais primitivo.”
A resistência a normas linguísticas e a contínua adaptação das línguas são temas que continuam a ser relevantes hoje, especialmente com o avanço da globalização e o domínio do inglês como língua franca. Embora o inglês tenha muitos benefícios, como facilitar a comunicação internacional, ele também pode representar uma ameaça à diversidade linguística e cultural. No entanto, o problema não está apenas no uso de palavras estrangeiras, mas também no estilo de comunicação. Muitas vezes, quando fazemos apresentações públicas ou escrevemos para um público português, tendemos a misturar palavras em inglês, o que pode criar uma barreira de comunicação.
“Se eu sou um economista e não nada contra os economistas, não é um profissional de qualquer área, vou fazer uma apresentação pública em Portugal para portugueses e metade das minhas palavras são em inglês. Isto é uma questão de comunicação.”
No final, a língua é mais do que palavras e regras. Ela reflete as nossas identidades, as nossas lutas e as nossas histórias. Cada palavra que escolhemos, cada sotaque que adotamos, e cada estrangeirismo que incorporamos faz parte de uma narrativa maior, que nos conecta ao nosso passado e molda o nosso futuro.
Por isso, comunicar não é apenas falar ou escrever. É entender o contexto, as implicações e as histórias que vêm com cada expressão. E, acima de tudo, é saber que, ao falar, estamos sempre a construir pontes – ou a levantar barreiras – entre nós e os outros.
*com transcrição inicial produzida por I.A.
LER A TRANSCRIÇÃO DO EPISÓDIO00:00:00:00 – 00:00:07:10
JORGE CORREIA
Viva Marco Neves, Escritor, tradutor, professor, leitor, bom conversador, que que Vamos.
00:00:07:10 – 00:00:09:14
MARCO NEVES
Ver o.
00:00:09:16 – 00:00:25:13
JORGE CORREIA
Que é que eu descubro te na nascente internet. Eu estou ali a viajar no meu, no meu Tic-Tac, no meu Instagram. E subitamente aparece um professor a falar de língua portuguesa, mas não da maneira que o.
00:00:25:15 – 00:00:26:03
MARCO NEVES
Grego fala.
00:00:26:06 – 00:00:26:23
JORGE CORREIA
Que as pessoas falam.
00:00:26:23 – 00:00:47:03
MARCO NEVES
Não é porque não sei eu que para mim é habitual e normal, mas percebo que seja uma forma diferente, porque normalmente o tema de língua portuguesa restringe se à questão de os erros que nós damos. E não, não é que eu não fale disso, mas esse é um tema muito comum e eu falo outras coisas.
00:00:47:04 – 00:01:07:05
JORGE CORREIA
Não sei é porque achas que nós estamos sempre. É curioso porque não é só no caso do português, há sempre na escola da minha infância, sempre que é a questão do erro, da correção, o estímulo, o estímulo é sempre um mais um, mais um pau de marmeleiro.
00:01:07:07 – 00:01:08:02
MARCO NEVES
Estarmos a.
00:01:08:04 – 00:01:08:22
JORGE CORREIA
Experimentar e.
00:01:08:22 – 00:01:31:02
MARCO NEVES
Elucidado. Enfim, nós podíamos ir muito atrás nesta história, mas a língua também é sempre alguma fonte de insegurança, porque a forma como é que é dizer por usar um enquadramento histórico, a partir do momento em que cada Estado criou uma língua, criou uma língua padrão e começou a pô la na escola e a usá la oficialmente.
00:01:31:02 – 00:01:32:00
JORGE CORREIA
Lá temos a norma.
00:01:32:02 – 00:01:48:06
MARCO NEVES
Temos a norma, a norma que não era seguida pela grande maioria da população. E depois há este esforço de ir para cima. São a norma que leva sempre a uma certa insegurança e que é um esforço que não, não acabou, porque nós esquecemos que a grande maioria das pessoas, até há 100 anos não escrevia nem lia para começar.
00:01:48:08 – 00:02:11:15
MARCO NEVES
E também não vezes dizemos a brincar. Normalmente usa se a França como exemplo de Portugal. Para dizer verdade, até é um país relativamente homogéneo. Nós sabemos que há muita diversidade, mas em comparação com outros países europeus, nós temos alguma. Não somos assim tão, tão diverso. Agora, a França há 200 anos, a grande maioria dos franceses não falava francês.
00:02:11:17 – 00:02:17:24
JORGE CORREIA
Tal como os italianos, portanto, eles chamavam muito de hábitos, não tinham uma lógica de um país, tinha uma lógica de condados.
00:02:18:03 – 00:02:24:17
MARCO NEVES
Mas no caso da Itália, mais do que a própria língua, nós sabemos que a Itália, como Estado, é recente. Não é tanto foi unificada no século XIX.
00:02:24:17 – 00:02:26:08
JORGE CORREIA
E tiveram que inventar o italiano.
00:02:26:10 – 00:02:31:05
MARCO NEVES
O italiano já existia como língua literária do antigo e era uma língua de prestígio.
00:02:31:07 – 00:02:32:20
JORGE CORREIA
Só depois como é que se põe o povo a falar?
00:02:32:21 – 00:02:49:05
MARCO NEVES
É só. Não só a partir do século XIX que houve esta ideia. Agora temos todos temos de falar italiano e quem não fala italiano fala mal. As pessoas sempre tinham falado que estavam a falar na rua. De repente é que apareceu esta nova. Quase podíamos dizer moda não é? Mas era algo bastante consciente e bastante deliberado. E houve.
00:02:49:06 – 00:02:53:05
MARCO NEVES
Houve processos em toda a Europa que alguns deles um pouco violentos.
00:02:53:07 – 00:02:54:00
JORGE CORREIA
Então falamos disso.
00:02:54:06 – 00:02:54:14
MARCO NEVES
Mesmo em.
00:02:54:14 – 00:02:56:03
JORGE CORREIA
França e a pancadaria, se.
00:02:56:04 – 00:03:21:22
MARCO NEVES
Isso não é mesmo? Nós cá lembramos às vezes nós em Portugal não temos bem ideia do que é que se passou por cá. É tudo uma questão de quase sotaque vocabular e vamos usar isto. Esta palavra, não outra. Vamos usar este sotaque, não outro. Houve países onde eram línguas diferentes, ou seja, na França, por exemplo, a língua que nós conhecemos da Idade Média, o provençal, o provençal, hoje nós chamamos occitano, é o nome que se usa.
00:03:21:24 – 00:03:34:05
MARCO NEVES
Essa língua era uma língua tão antiga como o que nós chamamos francês, tão antiga como o português, uma língua muito prestígio. De repente, por causa deste processo que estávamos a falar, começou a ser vista como falar mal começou e começou a ser então.
00:03:34:07 – 00:03:36:06
JORGE CORREIA
É quase a língua dos selvagens.
00:03:36:08 – 00:03:47:09
MARCO NEVES
É quem falava isto na escola era o posto de castigo. Ela levava uma reguada, tinha de ir para o canto, não podia falar esta língua estranha. Algum tempo depois, também começou um processo contrário de protecção das línguas minoritárias.
00:03:47:11 – 00:04:12:06
JORGE CORREIA
O que é muito engraçado que eu sinto me meio galego, apesar de ter a minha terra e caminha lá em cima e portanto, sempre, desde a minha infância, os do. Os portugueses do lado esquerdo do rio Minho falavam português e os galegos falavam galego, mas nesse não ninguém se atrapalhava exatamente. Quer dizer, porque as palavras eram as mesmas.
00:04:12:06 – 00:04:35:02
MARCO NEVES
Aí é um exemplo claro de que aquilo que eu estava a contar. Mas o que se passa é que na França este processo foi bem sucedido. Que dizer estas línguas minoritárias? Infelizmente, na minha perspetiva, acaba por ser quase desaparecer. Existem ainda estão a ser protegidas. Conseguimos encontrar pessoas que nos falam, pessoas normalmente mais velhas, mas são línguas muito minoritárias, difíceis.
00:04:35:04 – 00:04:38:22
JORGE CORREIA
É quase um esmagamento por parte dos Estados. Em relação à.
00:04:38:22 – 00:04:40:16
MARCO NEVES
França, então foi terrível. Bom.
00:04:40:18 – 00:04:45:05
JORGE CORREIA
A França é o sitio onde se fazem revoluções cortando a cabeça dos adversários, portanto também é bom.
00:04:45:05 – 00:05:02:04
MARCO NEVES
Não foi a partir daí da revolução que se criou esta ideia de que uma nação é que é o verdadeiro soberano. Esta ideia, que tem implicações muito positivas, mas depois de tocar a língua, tem implicação. Então temos falar todos a mesma língua, porque somos uma nação. Na Espanha o processo foi também muito violento e foi muito e foi muito intenso.
00:05:02:06 – 00:05:06:06
MARCO NEVES
Só que não teve o mesmo, ou seja, não conseguiu eliminar estas linhas.
00:05:06:06 – 00:05:07:08
JORGE CORREIA
Houve uma resistência.
00:05:07:08 – 00:05:17:05
MARCO NEVES
Houve uma resistência muito grande, muitas vezes uma resistência não propriamente política, mas na Galiza, que era uma questão de resistência. Simplesmente a população continuou a falar galego.
00:05:17:07 – 00:05:18:22
JORGE CORREIA
Mas as instalações.
00:05:18:24 – 00:05:41:18
MARCO NEVES
Até há pouco tempo, quando eu nasci com nós, nós temos o galego, era a língua. Se calhar de 90% dos galegos. Hoje já não é bem assim. Infelizmente, houve um outro processo que já não é um processo tão consciente nem tão intencional por parte do Estado. Mas houve um processo de em que a própria população, apesar de o galego ter passado a ser oficial, ter passado a ser ensinada na escola, ter passado a estar nas placas.
00:05:41:20 – 00:05:51:06
MARCO NEVES
De repente e ironicamente, ao mesmo tempo, a população começou a não usar o galego de forma tão intensa. Nós vamos hoje a Vigo e não é muito fácil ouvir.
00:05:51:06 – 00:05:54:17
JORGE CORREIA
Falar que o X lá está a gente da Galiza. Nós temos.
00:05:54:21 – 00:05:56:22
MARCO NEVES
Escrito e conseguimos falar e eles percebem.
00:05:56:24 – 00:05:57:09
JORGE CORREIA
Mas já não.
00:05:57:09 – 00:06:15:06
MARCO NEVES
Ouvem, já não ouvimos nem nas aldeias ouvimos. Eu tive a experiência de algumas aldeias galegas a uma escola de uma aldeia galega e todos estavam a falar galego à minha volta. Quer dizer, eu sentia como se estivesse no norte de Portugal. Agora, se for a uma cidade como a Corunha, como Vigo, já é difícil. Já não ouvimos contar uma.
00:06:15:06 – 00:06:37:05
JORGE CORREIA
Coisa curiosa lá está as fronteiras e as culturas e as pessoas estão próximas e a cultura, no fundo, que é o que manda nisto tudo, é essa diversidade nas zonas de fronteira. São de facto muito próximas o Alto Minho e a Galiza. Há uma continuidade de até geográfica dos rios, dos vales, das pessoas, das tradições, língua, da língua.
00:06:37:07 – 00:06:54:15
JORGE CORREIA
Há uma história curiosa que tu, que tu contas, que tem a ver com uma determinada zona entre o Norte de Portugal e a Galiza, que a Couto Misto é o que este couto misto tem de estar. Esta porção de território tem de interessante, em termos linguísticos.
00:06:54:17 – 00:07:14:16
MARCO NEVES
Isto é, um fenómeno de fronteira que raia como estava. Como estás a dizer que nós temos aquela ideia que a nossa fronteira é a mais antiga da Europa e é muito antiga? Nós quando olhamos para um mapa do século XIV, se calhar o único país que conseguimos reconhecer ali em Portugal. Mas a distância. Porque quando vamos ao pormenor, a fronteira teve certos, teve acertos, teve alguns.
00:07:14:16 – 00:07:17:02
JORGE CORREIA
Mas não vamos falar de Olivença.
00:07:17:04 – 00:07:36:05
MARCO NEVES
Não. Hoje não é? Tínhamos aqui um programa completamente diferente, mas o que se passava ali é que havia zonas. Esta ideia de que a fronteira é algo muito marcado no terreno que nós vemos, nós vamos lá e vemos a fronteira no terreno. Por vezes até é possível por um pé em Espanha e em Portugal. Isto é uma coisa, é uma ideia relativamente recente.
00:07:36:05 – 00:07:46:09
MARCO NEVES
A fronteira era um pouco mais vaga. Não quer dizer que não existisse a fronteira, mas não era assim. Não. Não tínhamos aquela, digamos, aquela que é o limite muito claro. Com Marcos de fronteira.
00:07:46:09 – 00:07:47:13
JORGE CORREIA
Não há um risco, nenhum muro.
00:07:47:13 – 00:08:07:10
MARCO NEVES
Não havia um risco, nem um muro havia Simplesmente esta terra paga impostos a Portugal, esta terra paga impostos ao reino vizinho. Agora ou ali, houve ali uma zona que, precisamente por causa disto, não se sabe exatamente. Não se conhece exatamente porque razão é que aquilo ficou assim. Mas três aldeias chamadas em conjunto, o Couto Misto, que não paga impostos nem um nem outro.
00:08:07:14 – 00:08:11:17
JORGE CORREIA
Então esse é que é o segredo. Se calhar só.
00:08:11:19 – 00:08:33:16
MARCO NEVES
A verdade é que na prática, eles eram independentes, independentes. Eles nunca diriam somos um país independente. Isso é um conceito muito moderno. Mas não pagavam imposto nem nem podiam ser espanhóis. Portugueses eram galegos. Falavam aquilo que se falava de um lado e do outro. Ninguém tinha exactamente a ideia de que falar português no três, falar galego a três, falar castelhano, isso não era uma escolha que a pessoa fazia.
00:08:33:16 – 00:08:57:14
MARCO NEVES
Falava aquilo que sempre se falou que desde a Idade Média. A verdade é que em 1864 não tenho aqui o contacto, mas sim com a certeza que isso houve um tratado que dividiu esse terreno entre Espanha e de Espanha e Portugal. As pessoas não deixaram de falar o que sempre falaram e hoje vamos lá. O que eles falam é aquilo que aquilo que nós chamamos galego, mas que no fundo é o mesmo que se fala do outro lado.
00:08:57:14 – 00:09:03:11
JORGE CORREIA
Portanto, não adianta a régua e esquadro tentar fazer essa fronteira linguística, porque depois há uma porosidade.
00:09:03:11 – 00:09:36:23
MARCO NEVES
Sim, a. E é curioso porque essa fronteira está com algumas pequenas alterações. Esta fronteira é muito antiga. Quer dizer, estamos a falar das fronteiras mais antigas do mundo e, no entanto, curiosamente, linguística dois dois Curiosamente, linguisticamente, a fronteira não, não, não teve grande reflexo ao longo de muitos séculos. Só agora, só agora, nos últimos 50, 60 anos, é que, na verdade, se ergueu aqui uma barreira e a barreira foi criada por dois fenómenos Primeiro, o castelhano espalhou se o que nós somos espanhol no dia a dia espalhou se pela Galiza e é hoje muito falado.
00:09:37:00 – 00:09:56:01
MARCO NEVES
E, por outro lado, do lado português, uma certa forma de falar um pouco mais parecido com aquilo que se usa no Sul, o que nós chamamos o português padrão começou também a espalhar se e hoje a forma de falar do Norte continua a ser muito característica, mas já não é tão distinta como era há uns há umas décadas.
00:09:56:02 – 00:10:12:03
JORGE CORREIA
Olha, vamos falar de influências, se calhar na geração dos nossos pais, uma grande influência da literatura francesa na das palavras que nós importamos da língua francesa. Estava aqui a tentar lembrar me de algumas que.
00:10:12:05 – 00:10:28:18
MARCO NEVES
Há muito há tantas que nós já nem a deriva. Vamos imaginar quando algo está à deriva em francês tem a ver. Em vez de dizer tem que ver. Tradicionalmente nós dizíamos sempre isto tem que ver com alguma coisa. Com uma grande influência francesa, começamos a dizer tem a ver isto já está.
00:10:28:20 – 00:10:30:23
JORGE CORREIA
Já lá está, já cá está, já foi incorporada.
00:10:30:23 – 00:10:39:15
MARCO NEVES
Já foi incorporada. Muitas, muitas mesmo, do francês. E o francês tem outra questão, porque é provavelmente dizer que atualmente a língua é a língua tem mesmo função.
00:10:39:15 – 00:10:45:07
JORGE CORREIA
E ia saltar para o inglês e depois para para para o português do Brasil ou brasileiro. Vou dizer que é português.
00:10:45:07 – 00:10:58:08
MARCO NEVES
Temos a outra falta. Ai não vamos. Até porque estavam para terminar a conversa anterior, porque no século XVI, por exemplo, na altura de Camões, a língua da moda era o castelhano. Na altura todos diriam castelhano, ninguém diria espanhol.
00:10:58:08 – 00:11:01:17
JORGE CORREIA
Estamos a falar na altura da invasão dos Filipes, ainda antes de mesmo.
00:11:01:19 – 00:11:05:07
MARCO NEVES
Portanto, durante o Gil Vicente Camões escreviam em castelhano também.
00:11:05:07 – 00:11:07:07
JORGE CORREIA
Então mas isso aqui é um fenómeno da burguesia.
00:11:07:07 – 00:11:08:02
MARCO NEVES
Era um fenómeno.
00:11:08:04 – 00:11:08:15
JORGE CORREIA
Muito.
00:11:08:15 – 00:11:32:14
MARCO NEVES
Lisboeta, muito, muito simples. E realmente era mesmo a língua da moda. Mas, mesmo de forma muito marcada, Camões usou muitas palavras vindas do castelhano nas suas obras, como todos os escritores faziam. Quer dizer, não era nada de particular. Havia alguns que se vestiam de forma mais marcada, mas o castelhano deu nos muitas palavras. Só temos aqui. Temos aqui uma questão é que o castelhano é muito próxima.
00:11:32:16 – 00:11:34:18
JORGE CORREIA
Portanto é mais fácil e faz mais sentido.
00:11:34:18 – 00:11:43:17
MARCO NEVES
No fim, não só não só faz mais sentido como uma vez incorporadas, já nem conseguimos reconhecê las como como língua, como palavras que vêm de fora.
00:11:43:20 – 00:11:50:07
JORGE CORREIA
Até porque a maneira de construir a língua espanhola é conhecida. De resto, é muito similar. Nós temos.
00:11:50:07 – 00:11:50:24
MARCO NEVES
Os latinos.
00:11:51:01 – 00:11:54:07
JORGE CORREIA
O sujeito, o predicado e por aí fora. E, portanto.
00:11:54:08 – 00:12:19:12
MARCO NEVES
Aqui é muito diferente. Algumas diferenças mais do que nós pensamos, mas claro, são línguas latinas, línguas com uma estrutura semelhante. O vocabulário tem uma origem muito próxima, Mas é verdade que o castelhano temos muitas palavras que nós não tínhamos. Chegou a haver uma altura em que se calhar nós não temos essa possibilidade. Mas tendo em conta que o que sabemos sobre o que acontecia, era mais fácil encontrar palavras castelhanas na boca de um lisboeta do que de um galego.
00:12:19:14 – 00:12:21:16
MARCO NEVES
Porque os galegos Castela era uma língua.
00:12:21:16 – 00:12:23:11
JORGE CORREIA
Hoje lá está, Madrid é lá longe.
00:12:23:11 – 00:12:36:16
MARCO NEVES
No entanto, Lisboa tinha uma espécie de como é que esse fascínio pelo castelhano, que só desapareceu curiosamente primeiro depois dos Filipes e depois da nossa restauração. E aí?
00:12:36:21 – 00:12:37:17
JORGE CORREIA
E aí nós tivemos.
00:12:37:17 – 00:12:46:09
MARCO NEVES
Começou a existir e depois também com o francês. O francês é que foi. Foi a língua que nos veio, digamos, curar a moda do castelhano.
00:12:46:09 – 00:13:00:18
JORGE CORREIA
Porque lá vêm os estrangeirados, que são intelectuais, que vão para vão para Paris, vão e vêm de lá com as ideias do Iluminismo e da ideia da democracia. Também com a língua. Trazem, trazem a língua. Passa a ser chique falar francês.
00:13:00:18 – 00:13:25:09
MARCO NEVES
Foi esse o primeiro ponto. Foi a primeira fase, mas houve várias. A própria invasão, as invasões francesas, que falharam militarmente, felizmente, mas intelectual, que não falharam assim tanto. Quer dizer, a ideia de um Estado centralizado como a língua passou, Como já dissemos hoje, passou a ser muito importante ir a cavalo. Isto veio à própria língua francesa, que era a língua da nobreza, a língua da diplomacia, a língua.
00:13:25:11 – 00:13:32:02
MARCO NEVES
A ciência. Nunca foi tanto, mas também foi. Mas era uma língua muito, com muito, muito prestígio. E foi assim muitos países.
00:13:32:02 – 00:13:58:20
JORGE CORREIA
Não foi só uma coisa muito curiosa. Quando nós aprendemos uma língua estrangeira, o inglês ou o francês ou o espanhol, mas o inglês como como língua franca, que é a definição de si, continuamos a pensar na nossa língua materna em português, neste caso, e a ir fazendo quase traduções automáticas para o inglês até ao momento. E eu estou a ver isto nas gerações mais novas que que estão já.
00:13:58:22 – 00:13:59:08
MARCO NEVES
A pensar em.
00:13:59:08 – 00:14:03:19
JORGE CORREIA
Inglês, a pensar em inglês desde de e quase de uma forma quase nativa, quase bilíngue.
00:14:03:21 – 00:14:04:22
MARCO NEVES
A língua é uma.
00:14:04:22 – 00:14:06:00
JORGE CORREIA
Boa notícia, uma má notícia.
00:14:06:02 – 00:14:33:10
MARCO NEVES
Bem, vamos antes dizer responder diretamente a isso. Há que dizer que uma língua nós não usamos as línguas. Como é que é dizer Não são blocos uniformes. Por exemplo, se uma pessoa nasce em Portugal, cresce e vai viver, vai trabalhar numa determinada área para outro país, independentemente ser inglês, francês, o que for, se calhar o vocabulário daquela área onde trabalha vai ser muito mais natural para ele na língua onde está do que na sua língua materna.
00:14:33:12 – 00:14:42:19
MARCO NEVES
Tenho experiência pessoal. Por exemplo, o meu irmão está a viver em Inglaterra quando está a falar da área dele de programação. É muito mais fácil para ele falar inglês, Portanto.
00:14:42:19 – 00:14:49:08
JORGE CORREIA
As ferramentas, aquilo que precisa para usar, para definir aquilo que faz, como faz, aquilo que os clientes pedem e naquela.
00:14:49:08 – 00:15:03:00
MARCO NEVES
Língua. E não é uma questão de ser inglês. Atenção que estamos a falar de uma experiência que um emigrante português em França, mesmo que vá para França com 18, 19, 20 anos depois, aquela língua passa a ser a sua língua do trabalho.
00:15:03:02 – 00:15:10:03
JORGE CORREIA
Com as mãos move e está num determinado ambiente e vai recolhendo àquele ambiente e, portanto, apropria se daquelas palavras.
00:15:10:03 – 00:15:31:03
MARCO NEVES
E acontece a atenção. Isto acontece também dentro de cada língua, o que é interessante. E não é só com uma profissão. Por exemplo, vamos imaginar um miúdo brasileiro. Já estamos a falar disso. Que venha para cá para Portugal, com, sei lá, cinco anos, seis anos. Vem para cá, já sabe falar, tem o sotaque brasileiro, vem para cá, os colegas não têm e depois lá já podemos falar sobre o que é que está a acontecer com os colegas dele.
00:15:31:04 – 00:15:38:22
MARCO NEVES
Mas o que é curioso, isto eu já vi ao vivo, como em muitos casos, é que rapidamente ganhou o sotaque português falado pelos colegas.
00:15:38:22 – 00:15:40:16
JORGE CORREIA
O pensar no beta, por exemplo.
00:15:40:16 – 00:15:45:01
MARCO NEVES
Mas o tempo já foi mais tarde. Muitos miúdos que quando são mais novos conseguem ganhar sotaques com muito mais facilidade.
00:15:45:01 – 00:15:47:14
JORGE CORREIA
Em maior cidade conseguem mais, mas.
00:15:47:14 – 00:16:00:00
MARCO NEVES
Não perde o anterior. Isso é que é interessante e às vezes a misturas se se estiver a falar com os pais em geral, isto depende de pessoa para pessoa, família para família. Mas em geral vai usar o sotaque brasileiro com os pais e vai usar o sotaque português com os colegas.
00:16:00:00 – 00:16:01:21
JORGE CORREIA
É como se tivesse duas cassetes no cérebro.
00:16:02:02 – 00:16:27:11
MARCO NEVES
Que está sempre à mão e outro que não é bilíngue, porque estamos a falar da mesma língua, mas em variedades diferentes. Mas chama se bi dialetal. Mas curiosamente também também acontece isso cá em Portugal. Se nós pensarmos bem, todos temos experiências de amigos, por exemplo, que vêm de uma zona que tem um sotaque muito marcado, em que, por exemplo, eles ao falarem com os pais, falam com o sotaque mais próximo deles e quando vêm falar connosco já fala.
00:16:27:16 – 00:16:32:04
MARCO NEVES
Isto vejo eu próprio. Se calhar faço isso. Nós, nós nunca notamos. Quando nós próprios fazemos, não notamos.
00:16:32:04 – 00:16:35:21
JORGE CORREIA
Que lá está quando eu vou à minha. Ou é dizer se seja eu sotaque de Lisboa?
00:16:35:21 – 00:16:36:16
MARCO NEVES
Pois há também.
00:16:36:18 – 00:16:39:05
JORGE CORREIA
Muito, mas tantos.
00:16:39:07 – 00:16:51:06
MARCO NEVES
Que o mecanismo é um mecanismo psicológico muito curioso. Quando nós estamos a querer aproximarmo nos da outra pessoa, nós naturalmente, quase que, portanto, começamos a falar com outra pessoa.
00:16:51:06 – 00:16:57:05
JORGE CORREIA
Isso sim são os sotaques, são as formas, são as palavras, são os ritmos.
00:16:57:07 – 00:17:19:23
MARCO NEVES
O sotaque, aquilo que nós fazemos de forma mais inconsciente. Porque o sotaque, a forma como nós pronunciamos as palavras, nós não temos assim um controlo tão grande em relação a isso. Naturalmente, uma pessoa que venha para Lisboa começa a ganhar o sotaque. Lisboa Uma pessoa vai para o Porto também ganha. Nem sempre as pessoas notam isto porque é claro que o sotaque que nós chamamos de Lisboa de forma muito imprecisa é mais visível.
00:17:19:23 – 00:17:36:24
MARCO NEVES
Está na televisão, está na rádio. Mas eu também tenho colegas que foram viver para o Norte e hoje eu não consigo distinguir o sotaque deles. Está como pessoa do Norte, portanto, isto acontece com muita facilidade. Portanto, o vocabulário também acontece, mas a pessoa consegue controlar um pouco melhor aquilo que tem.
00:17:36:24 – 00:17:39:24
JORGE CORREIA
Porque algumas palavras que são para as palavras marca.
00:17:39:24 – 00:17:41:18
MARCO NEVES
Exactamente as palavras que nós sabemos.
00:17:41:18 – 00:17:42:20
JORGE CORREIA
O morcão do Porto.
00:17:43:01 – 00:17:50:07
MARCO NEVES
São naquela Catarina e a pessoa pode dizer não, não vou usar estas palavras neste contexto, a não ser que esteja tão enfeitada que fique o facto de.
00:17:50:09 – 00:17:53:09
JORGE CORREIA
Por falar em irritações e de uns palavrões.
00:17:53:11 – 00:17:55:08
MARCO NEVES
Também dizemos agora.
00:17:55:10 – 00:17:57:06
JORGE CORREIA
Para amanhã, isto é.
00:17:57:08 – 00:17:58:03
MARCO NEVES
As regras aqui.
00:17:58:05 – 00:18:01:15
JORGE CORREIA
Os palavrões, os palavrões cabem no dicionário.
00:18:01:15 – 00:18:21:00
MARCO NEVES
Cabem, cabem, estão lá, fazem parte da língua. Aliás, são das palavras mais antigas. Gostam? Estão. O problema dos palavrões é que normalmente não aparecem na escrita, mas quando aparecem vês que não mudam assim tanto como as outras palavras estão ali, falidos ao longo do século, a.
00:18:21:00 – 00:18:24:23
JORGE CORREIA
Uma a uma a uma dialética do palavrão a um.
00:18:25:00 – 00:18:49:24
MARCO NEVES
Palavrão. O palavrão existem praticamente em todas as línguas, com forças diferentes e com origens diferentes. Normalmente vem de partes do corpo humano, de de religião, coisa que em português não funciona muito bem. Nós em português normalmente são partes do corpo humano ou insultos e aqui temos os nossos palavrões. Mas há muitas culturas onde os palavrões vêm da religião.
00:18:50:04 – 00:18:52:03
MARCO NEVES
Por exemplo.
00:18:52:05 – 00:18:53:11
JORGE CORREIA
Falam disso.
00:18:53:13 – 00:19:07:20
MARCO NEVES
Na Suécia. Não, não se sueco. Mas isso é o que acontecia no próprio inglês. Só bem, tendo em conta aquele tabu que dizer o nome de Deus em vão implicava a própria palavra My God era considerado wearing, ou seja, era dizer um palavrão.
00:19:07:20 – 00:19:08:14
JORGE CORREIA
Era praguejar e.
00:19:08:16 – 00:19:32:13
MARCO NEVES
Praguejar. Tanto assim é que eu usei a palavra inglesa porque estava a falar do jogo do inglês. Mas tanto assim era que existe em inglês aquilo que nós cá também temos para substituir os palavrões, que são aqueles palavrões como caraças. Sim, como bolas ou como são palavras que não são palavrões mas estão a substituir. Então e não só para eles tem também isso para o nome de Deus tem gosto por Jamaica.
00:19:32:13 – 00:19:33:10
JORGE CORREIA
Acho.
00:19:33:12 – 00:19:35:18
MARCO NEVES
O caraças para Deus.
00:19:35:20 – 00:19:44:09
JORGE CORREIA
E essas palavras as palavras supostamente são todas iguais. Elas de alguma maneira não são todas iguais.
00:19:44:09 – 00:19:45:16
MARCO NEVES
Não, não são todas iguais.
00:19:45:18 – 00:19:46:20
JORGE CORREIA
Mas porque têm uma carga.
00:19:46:20 – 00:20:11:16
MARCO NEVES
Tem uma carga muito forte, têm sempre uma carga. Nós sabemos disto. Os palavrões são uma espécie de exemplo de como é que quer dizer extremo exemplo extremo disto. Mas isto acontece com todas as palavras. Basta pensar que como é que um palavrão? Há muitos estudiosos de palavrões que existem, que existem pessoas que estudam palavrões e há sempre aquelas discordâncias sobre exactamente o que é um palavrão.
00:20:11:16 – 00:20:11:23
MARCO NEVES
Não é o.
00:20:11:23 – 00:20:16:24
JORGE CORREIA
Que eu quero imaginar. Uma discussão académica sobre académicos, sobre uma tese de doutoramento? Existem.
00:20:17:00 – 00:20:17:18
MARCO NEVES
Existem muito que.
00:20:17:18 – 00:20:19:10
JORGE CORREIA
Existem. Isso é tão bom.
00:20:19:12 – 00:20:33:20
MARCO NEVES
Mas o palavrão em geral está, digamos, no cérebro. Num sitio mais primitivo. Está lá guardado no sítio, mais primitivas. Como é que ele lá ficou? Ficou lá precisamente pela reação que as pessoas têm ao palavrão. É uma espécie de pescadinha de rabo na boca.
00:20:33:20 – 00:20:35:15
JORGE CORREIA
Alimentamos um tabu sobre aquela palavra.
00:20:35:16 – 00:20:53:10
MARCO NEVES
O tabu enterra a palavra, digamos, uma parte mais primitiva. E por isso é que nós, quando damos corpo com o pé na porta, dizemos um palavrão, quase como se fosse um grito, como se fosse uma expressão animalesca. É nojento. É uma palavra, é uma palavra culturalmente, mas.
00:20:53:10 – 00:20:55:14
JORGE CORREIA
Tem uma energia quase de libertação.
00:20:55:16 – 00:20:58:08
MARCO NEVES
De libertação. Precisamente. Nós não podemos dizer sempre então.
00:20:58:08 – 00:21:05:08
JORGE CORREIA
E ali temos um bom pretexto para poder dizer e dizemos às crianças Cuidado! Pimenta na língua gostam, as expressões, aparecem expressões.
00:21:05:10 – 00:21:22:11
MARCO NEVES
Mas eu disse que era um caso extremo. Mas todas as palavras têm o seu valor e têm o seu. Tem sua marca social, a sua marca. Palavras que nós se calhar dizemos e criam sensações nas outras pessoas e em nós, até um sotaque. Há pessoas que não gostam de um determinado sotaque, que não.
00:21:22:11 – 00:21:23:02
JORGE CORREIA
Gostam sim.
00:21:23:03 – 00:21:37:04
MARCO NEVES
Que não, não, que acham que é, que acham que é uma forma rude de falar. Isso é uma ideia tão inscrita na cabeça de algumas pessoas, muitas vezes não por culpa delas, que é muito difícil ultrapassar isso.
00:21:37:08 – 00:22:01:08
JORGE CORREIA
Estava me agora a lembrar de uma palavra que agora está até muito nas notícias, por outras razões, que era uma palavra que representava sempre algum choque e nunca consegui compreender porque que era a palavra parir. Sim, que é o nome técnico que os médicos não é o nome que o povo dá porque é parir, mas tem essa conotação de tentar, de tentar.
00:22:01:08 – 00:22:03:19
JORGE CORREIA
Ah, não foi nascer, foi dar à luz.
00:22:03:19 – 00:22:11:24
MARCO NEVES
Foi como a palavra morrer. Nós também tentamos sempre arranjar eufemismos. Parece que arranjamos eufemismos para nascer e para morrer. O que é curioso.
00:22:12:04 – 00:22:15:22
JORGE CORREIA
Os fenómenos extremos da vida. Nós arranjamos uma maneira de aplainar a linguagem.
00:22:15:24 – 00:22:32:14
MARCO NEVES
Porque tendemos sempre a fugir. Só que isto é um ciclo. Se nós começarmos a usar muito uma terminada palavra, até mesmo quando queremos definir, quando queremos falar de certas realidades, como por exemplo, algum tipo de deficiência, a pessoa cega, o invisual. A este ciclo tentarmos encontrar palavras que.
00:22:32:19 – 00:22:33:10
JORGE CORREIA
Nada.
00:22:33:12 – 00:22:43:23
MARCO NEVES
Que não sejam tão diretas, porque temos a sensação de que estamos a ser um pouco como é que quer dizer rudes ao falar da realidade. E depois vamos sempre tentando encontrar outras palavras, eufemismos.
00:22:44:01 – 00:22:56:02
JORGE CORREIA
Não vou me meter num beco sem saída ou no caminho das silvas, mas vamos juntos. Daí que eu estou a ouvir falar e pensar assim. Então é o politicamente correto.
00:22:56:04 – 00:23:13:09
MARCO NEVES
É um senão parecido com aquilo que eu acabei de dizer, ou seja, a pessoa quer usar, ou seja, vamos lá ver Eu A minha perspetiva é que o politicamente correcto muitas vezes é depende de cada perspetiva. Cada pessoa tem intenções boas, ou seja, a pessoa quer melhorado muito na sua perspetiva, que de.
00:23:13:09 – 00:23:15:10
JORGE CORREIA
Vez em quando não precisa, não fica um bocadinho fascista.
00:23:15:11 – 00:23:24:06
MARCO NEVES
O que acontece é que tenta fazer isto começando pelo fim, ou seja, começando por tentar mudar a língua para ver se depois o mundo vai atrás.
00:23:24:08 – 00:23:32:12
JORGE CORREIA
Uma forma, uma norma censória sobre para mudar esta cultura, para mudar este ponto de vista, eu tenho que mudar a maneira como escrevemos e como falo.
00:23:32:12 – 00:24:01:05
MARCO NEVES
Só que eu acho é começar pelo fim, porque o mundo realmente muda, porque a língua muda. Não quer dizer que nós não tenhamos cuidado, porque nós temos que dizer as palavras tem este valor, tem esta, tem esta força. Portanto, podem agredir as pessoas. Podem ser, temos. Eu não tenho nada contra nós querendo dizer termos consciência daquilo que estamos a fazer com as palavras, Portanto, podemos estar a atacar alguém, podemos estar a insultar isto.
00:24:01:05 – 00:24:12:05
MARCO NEVES
É bom que tenhamos essa consciência e que façamos aquilo que queremos. Agora, não é proibindo determinadas expressões, determinadas formas de falar ou de dizer que as realidades desaparecem.
00:24:12:06 – 00:24:37:20
JORGE CORREIA
A língua é construída por um conjunto de normas as palavras, os significados. Como é que nós fazemos? Os estudiosos dedicam se a estudar. Nós dedicamo nos a tentar destruir a língua, dando tapas, provocando surpresas. Sempre foi assim. As coisas são assim. Mas quando quando nós olhamos para a linguagem, lá está o todo diz que é o que eu me lembro imediatamente o tentar tornar a língua absolutamente neutra.
00:24:37:20 – 00:25:04:17
JORGE CORREIA
E eu não estou só a pensar na questão da neutralidade de género. Estou. Mas até que ponto é que essa ideia lá está? Benigna, em princípio, que eu quero? Que é que as palavras não, não me firam e não sejam intrusivas ou ameaçadoras de alguma maneira? Até que ponto é que essa maneira de olhar as coisas pode ou não alterar quase a norma gramatical e o pensamento?
00:25:04:17 – 00:25:05:07
JORGE CORREIA
A própria língua.
00:25:05:13 – 00:25:06:08
MARCO NEVES
Eu diria de.
00:25:06:08 – 00:25:07:10
JORGE CORREIA
Uma forma quase automática.
00:25:07:10 – 00:25:28:07
MARCO NEVES
E embora a questão da norma desse campo de o que o que eu diria seria um pouco voltar atrás que estava a dizer que quando a pessoa tenta impedir determinada, ou seja, dizer que a norma agora tem, dizer que não se pode fazer assim, vamos imaginar o que é que vai acontecer. Algo parecido com o que aconteceu com os palavrões que estávamos ainda agora a discutir.
00:25:28:07 – 00:25:29:15
JORGE CORREIA
Achamos escondê las na parte de.
00:25:29:15 – 00:25:33:16
MARCO NEVES
Baixo, escondê las. Elas não desaparecem. Começam a ganhar uma força muito grande, uma força.
00:25:33:16 – 00:25:34:05
JORGE CORREIA
De reação.
00:25:34:05 – 00:25:45:03
MARCO NEVES
Uma força de reação muito tão forte que acabam por ser ainda mais ofensivas e ainda mais agressivas do que eram antes. Precisamente porque houve aqui uma tentativa de deturpar essas palavras.
00:25:45:03 – 00:25:53:08
JORGE CORREIA
Portanto, esta ideia de que nós vamos tentar mudar o mundo pelo nosso prisma pode aditivo dar ainda mais esta nota.
00:25:53:09 – 00:26:03:07
MARCO NEVES
Se isso nota se como por vezes mesmo certas causas, aquilo que nós sabemos que muitos destes movimentos e destas discussões têm o centro nos Estados Unidos.
00:26:03:09 – 00:26:04:14
JORGE CORREIA
É daí que vem.
00:26:04:16 – 00:26:34:20
MARCO NEVES
Muitas guerras culturais. Por vezes vê se hoje quando nós olhamos até para as redes sociais, onde estas guerras são muito visíveis. Eu até tenho a teoria de que são muito visíveis precisamente, que as pessoas não estão de corpo presente e por isso tudo é mais fácil entrar nestas. Mas isso é outra discussão. O que nós vemos é que, por vezes, certas expressões que poderiam ser consideradas vagamente ofensivas ou umas décadas, hoje são usadas de forma muito mais agressiva e muito mais ofensiva até do que do que no.
00:26:34:20 – 00:26:38:05
JORGE CORREIA
Início dos americanos. Com a palavra nigger, por exemplo, dizem aquilo que é.
00:26:38:05 – 00:26:41:02
MARCO NEVES
Claramente diríamos uma rádio americana e é.
00:26:41:04 – 00:26:42:10
JORGE CORREIA
Dramático poder.
00:26:42:12 – 00:26:58:07
MARCO NEVES
Mas é curioso como até os próprios negros americanos fizeram uma coisa muito curiosa, que é precisamente desmontar a palavra. Eles próprios usam para lhes tirar a vista. Nós conseguimos ver muitos negros a usar a palavra para lhes tirar essa, esse estigma, a palavra hoje.
00:26:58:08 – 00:27:19:06
JORGE CORREIA
E isso às custas das importações. É muito engraçado. Há uns anos, se calhar até mais do que agora, um bocadinho, ainda víamos nas apresentações públicas. Então quando estávamos a falar de negócios anglicismos, ainda vemos que esta perna está sempre. Há sempre uma frase em português. Há três expressões em inglês.
00:27:19:08 – 00:27:49:18
MARCO NEVES
Eu diria que vamos só separar aqui duas questões uma questão de estrangeirismos podem ser evitados, não podem ser evitados na sua totalidade. Todas as linhas andamos sempre em inglês. Também tem palavras portuguesas e nós até achamos meio engraçado o contrário, aquilo que é o problema aqui. Eu acho que há dois problemas. Um deles mais difícil de resolver, porque mais uma vez, nós não podemos pôr a língua à frente do que se passa no mundo.
00:27:49:18 – 00:27:59:09
MARCO NEVES
O primeiro problema é uma questão de como a dieta nós. Nós podemos comer de vários sítios, não só comermos uma coisa temos um problema.
00:27:59:12 – 00:28:00:17
JORGE CORREIA
Andamos por isso a comer demasiada.
00:28:00:20 – 00:28:17:24
MARCO NEVES
Língua. É exactamente o inglês, é a nossa alimentação. É quase como se estivéssemos todos os dias a ir ao McDonald’s. Se escala, que é uma associação. Isso pode levar a uma certa, a um certo desequilíbrio e não só um desequilíbrio. Depois há situações em que repente e já acontece isso nalguns países o inglês começa mesmo a substituir a língua.
00:28:17:24 – 00:28:22:00
MARCO NEVES
Nesse país até podemos falar a seguir. O segundo problema, que é mais fácil de resolver.
00:28:22:00 – 00:28:31:10
JORGE CORREIA
É curioso porque estás a dizer isto e eu estou a pensar assim. Eu ontem tive numa apresentação pública feita em português por um português numa escola de negócios e o seu primeiro slide.
00:28:31:12 – 00:28:31:17
MARCO NEVES
Era de.
00:28:31:17 – 00:28:38:12
JORGE CORREIA
Língua e vírgula diapositivo. A palavra diapositivo era uma frase em inglês.
00:28:38:14 – 00:28:54:23
MARCO NEVES
E que foi então no mundo universitário. Quer dizer, mesmo entre pessoas que não são necessariamente simpáticas ao inglês é quase como avassalador. Quer dizer, o inglês. No mundo científico, o mundo universitário está em.
00:28:54:23 – 00:28:57:16
JORGE CORREIA
Peso, é quase uma língua, é a língua franca, sim.
00:28:57:16 – 00:29:12:19
MARCO NEVES
Mas mais até do que às vezes as pessoas têm isso. Há muitas aulas em nas universidades que são dadas em inglês. Porquê? Porque a universidade tem uma necessidade muito prática de chamar alunos de muitos países. E quando o inglês vai servir de língua franca e.
00:29:12:21 – 00:29:18:01
JORGE CORREIA
De uma forma mais clara e os portugueses que se lixem. Nada para dizerem aquilo mesmo.
00:29:18:03 – 00:29:35:10
MARCO NEVES
Mas aqui está um segundo problema. Este primeiro problema que no fundo é mais grave, mas é mais difícil de resolver, porque é uma questão no fundo, política, cultural, que também está associada a vantagens que nós temos. Uma língua, uma língua franca, tem vantagens que nós não temos. Não nos podemos esquecer que o inglês ajuda.
00:29:35:16 – 00:29:39:04
JORGE CORREIA
Quando vamos viajar. Saber onde é que vamos andar, que encontramos uma comida, qual o transporte?
00:29:39:04 – 00:29:59:09
MARCO NEVES
Claro que sim, coisas positivas. Mas depois também há estas outras consequências que nós poderíamos se calhar pensar um pouco mais nelas. Mas há outra questão mais fácil de resolver, que é a questão do estilo. O que quer dizer com isto? Se eu sou um economista e não nada contra os economistas, não é um profissional de qualquer área, vou fazer uma apresentação pública em Portugal para portugueses e metade das minhas palavras são em inglês.
00:29:59:11 – 00:30:02:08
MARCO NEVES
Isto é uma questão de comunicação.
00:30:02:10 – 00:30:02:21
JORGE CORREIA
Falta de respeito.
00:30:03:00 – 00:30:05:11
MARCO NEVES
Ele não quer chegar a isso.
00:30:05:13 – 00:30:09:03
JORGE CORREIA
Não cuidas da tua audiência. Sela justamente o código que é falar português, que.
00:30:09:06 – 00:30:19:07
MARCO NEVES
É um problema parecido com aqueles especialistas que não conseguem chegar à Terra e falar com as pessoas que não são especialistas? Não necessariamente. Não é. Não é tornar as coisas mais simples.
00:30:19:13 – 00:30:26:17
JORGE CORREIA
É uma demonstração de porque esta é uma pergunta simples. É uma demonstração de poder.
00:30:26:19 – 00:30:44:11
MARCO NEVES
Eu não quero ser eu a dizer. Pode ser em muitas situações, mas às vezes é mesmo só falta de capacidade de comunicar com quem está à nossa frente, porque não é só a questão do uso do inglês, é o perceber que há certas palavras que entre os pares querem dizer uma coisa, mas nós estamos a falar com duas pessoas, temos de saber traduzir.
00:30:44:11 – 00:30:45:11
MARCO NEVES
É uma questão de tradução e que.
00:30:45:16 – 00:30:50:12
JORGE CORREIA
Quem está a ouvir não domina o código, não domina aquela expressão, não percebe sequer a nuance que.
00:30:50:12 – 00:30:54:20
MARCO NEVES
Não tem. E isso é verdade, não tem o poder suficiente para dizer olhe, desculpe, não percebi nada.
00:30:54:22 – 00:31:03:01
JORGE CORREIA
Já tem princípio. Eu estou me sentir estúpido. Está aqui a dizer uma coisa que eu não, que eu não consigo perceber De que é que está a dizer. A questão de tradução, lá está.
00:31:03:03 – 00:31:20:24
MARCO NEVES
A tradução é que tanto pode ser. Eu sei que estávamos a falar inglês, mas eu estou a ir mais mais longe do que isso. Mesmo falando só português e mesmo evitando todas as palavras inglesas, se isso fosse possível, poderíamos ter o mesmo problema. Não é? Poderia haver uma pessoa que falava de tal maneira que olha, se não compreende.
00:31:21:03 – 00:31:50:04
JORGE CORREIA
O que pensar. Aquele médico super especialista que fala exatamente essas palavras que nós todos não dominamos. Há aqui o novo. O novo mundo é um mundo das redes sociais, da electrónica. Até agora nós falávamos ao telefone ou ao vivo, estávamos com amigos, com as nossas pessoas e hoje apanhamos nos cada vez mais por uma questão prática e se ocupa menos tempo a trocar mensagens.
00:31:50:08 – 00:32:06:14
JORGE CORREIA
Parece resto. Nós começamos a trocar umas frases quando se está a combinar isto ou o raio do problema é que aquilo que está escrito numa mensagem é difícil às vezes de interpretar. Às vezes não era bem aquilo que a gente queria dizer aqui.
00:32:06:16 – 00:32:29:03
MARCO NEVES
Este é o nós. Muitas vezes dizemos que língua como os problemas, estará e sempre esteve. E é uma discussão. Mas aqui, na nossa época, precisamente na nossa época, estamos a viver uma fase de transição que é particularmente perigosa. Nesse sentido, na minha opinião. Eu não acho que a língua, no que toca à gramática, no que toca ao uso, esteja particularmente a passar por fases diferente do que já passou.
00:32:29:05 – 00:32:53:10
MARCO NEVES
Não tenho essa perspetiva e temos é uma língua a ser usada por pessoas mais diferentes de contextos, de dizer que vêm de sítios diferentes e por isso tem mais, tem uma certa tensão linguística. Mas isso é uma questão diferente, Não quer dizer nós, para dar uma certa perspectiva histórica, nós estamos a viver a primeira época nos últimos 50, 60 anos, em que a grande maioria da população do mundo é Aqui estão.
00:32:53:16 – 00:32:59:20
MARCO NEVES
O mundo sabe ler e escrever muito mais de metade da população saber escrever. Isto não acontecia antes.
00:32:59:22 – 00:33:00:18
JORGE CORREIA
Ou falavas.
00:33:00:24 – 00:33:01:01
MARCO NEVES
Ou.
00:33:01:01 – 00:33:04:08
JORGE CORREIA
Falavas e ouvias ou ninguém te fez um grupo.
00:33:04:12 – 00:33:22:23
MARCO NEVES
De pessoas que sabiam ler, escrever. E esse grupo de pessoas é o mais visível. São as pessoas que escreveram os livros que nós lemos, que que escreveram, os relatos que nós conhecemos e nós temos aquela sensação que as pessoas, mesmo que nós saibamos conscientemente que não era assim. Nós olhamos para a época de Camões e nós conhecemos aquilo que foi escrito por incrível.
00:33:22:23 – 00:33:24:08
JORGE CORREIA
3% da população.
00:33:24:08 – 00:33:36:05
MARCO NEVES
Uma percentagem minúscula da população, a maior parte da população. Nem sequer nascemos no século XVI e se fossemos para o interior do país? A maior parte as pessoas nem sequer sabiam que eram portugueses. Lá, nunca tinham ouvido falar desse conceito e.
00:33:36:05 – 00:33:43:07
JORGE CORREIA
O rei lá mandava. Os arautos que chegavam ao centro da aldeia abriam e diziam que vão pagar mais impostos.
00:33:43:09 – 00:33:59:07
MARCO NEVES
Certamente, e só teriam de pagar. Mas nem sequer sabiam do que aquela pessoa vinha. Se vinha de um lado e do outro, a maior parte das pessoas não teria sequer noção disso. Tinha noção muito precisa do que faziam da sua terra. Não eram pessoas, ao que se pode dizer, não eram pessoas ignorantes. Eram pessoas que conhecia muito bem o seu mundo.
00:33:59:07 – 00:34:02:02
JORGE CORREIA
Não eram estúpidas, não sabiam era apenas ler.
00:34:02:04 – 00:34:20:10
MARCO NEVES
Não eram ignorantes do seu mundo. Não é um estúpido? Certamente não sabiam ler. Também não era muito necessário, não era nada de muito importante. Hoje vivemos numa época em que, infelizmente, ainda há pessoas que não sabem ler. Não muitas, mas agora é absolutamente impossível viver saudavelmente em sociedade sem saber ler escrever.
00:34:20:12 – 00:34:36:10
JORGE CORREIA
Mas agora lá está, nos WhatsApps eu estou a pensar na geração mais e mais. Mais jovem. Em primeiro lugar, usam palavras cortadas, siglas, usam grafismos que não têm a ver com a maneira como nós escrevemos as palavras.
00:34:36:12 – 00:35:08:02
MARCO NEVES
Isso porque, para começar, temos. Estamos a viver nessa tal época em que nós podemos conversar e, digamos, conviver pela escrita. Por exemplo, era difícil. Na minha sempre houve cartas entre quem sabia escrever, mas as pessoas não namoravam muito pela escrita. Escrevemos cartas, mas era algo que se fazia de vez em quando. Um ou dois miúdos que namoram escrevem sabe se o que foi e por isso a escrita tem uma presença.
00:35:08:04 – 00:35:12:15
MARCO NEVES
Sempre que digo isto, alguém me disse estamos agora já estão sempre a enviar mensagens de voz. É verdade, isto vai por.
00:35:12:15 – 00:35:13:10
JORGE CORREIA
Trás, mas elas.
00:35:13:10 – 00:35:14:01
MARCO NEVES
Continuam a escrever.
00:35:14:01 – 00:35:15:05
JORGE CORREIA
Mais até escrever mais.
00:35:15:07 – 00:35:19:23
MARCO NEVES
Continuam a escrever mais do que nós, que propriamente nós escrevíamos naquela, naquela naquela idade.
00:35:19:23 – 00:35:39:02
JORGE CORREIA
Eu dou por mim muitas vezes a dizer já estou farto de dar ao dedo, Então eu ligo à pessoa e é muito curioso. Dependendo da geração, atendem ou falamos mais tarde. Se eu fizer isto com o meu filho, com a minha filha, muito provavelmente tenho um, diz e o faço uma pergunta e tenho um mês ou um ano.
00:35:39:04 – 00:35:41:04
MARCO NEVES
E tenho a mesma experiência.
00:35:41:06 – 00:35:43:23
JORGE CORREIA
E vai te embora que eu tenho outra coisa para fazer.
00:35:44:00 – 00:36:04:11
MARCO NEVES
Os códigos comunicação são diferentes entre gerações, mas ainda falar das abreviaturas aí eu tenho também que dizer que há outro fator que nós nos esquecemos que a escrita é material, material, mesmo digitalmente é material, isto é, um espaço que ocupa o que se passou Foi durante algum tempo que nós tínhamos os SMS’s que já não são a forma privilegiada.
00:36:04:17 – 00:36:05:13
JORGE CORREIA
E que eram caros.
00:36:05:13 – 00:36:07:12
MARCO NEVES
Eram caros e eram limitados. Eram considerados.
00:36:07:13 – 00:36:09:08
JORGE CORREIA
165 até o.
00:36:09:08 – 00:36:28:16
MARCO NEVES
Pouco, como no Twitter, também o atual X tínhamos um limite que levou empurrou algumas gerações. Fiquei na nossa a ter de escrever com a abreviatura o Coisa, que já se tinha visto anteriormente a um sinal de trânsito muito antigo em Lisboa, que muitas pessoas dizem é, nunca vi nada em contrário, que é o mais antigo sinal de trânsito no mundo.
00:36:28:17 – 00:36:30:24
JORGE CORREIA
Mesmo que seja um mito. É uma bela história, é.
00:36:30:24 – 00:36:35:21
MARCO NEVES
Uma bela história e é de facto muito antigo. Eu por acaso andei iNEVEStigar e não há sinais que sejam mitos.
00:36:35:23 – 00:36:37:09
JORGE CORREIA
Onde é que está o sinal que está cá?
00:36:37:09 – 00:37:02:18
MARCO NEVES
Não me lembro de estar em Alfama. Está em. Podemos lá ir visitar um dia destes, mas esse sinal escrito numa pedra era um sinal. Não havia para além do código da estrada. Portanto, aquilo é uma descrição. Quem vem ali da rua, tal como eu não me lembro exatamente, tem dado cedência de passagem e aquilo estava está descrito. É bastante longo, porque a Sua Majestade o Rei manda que quem vem é que quando chegar ao final da casa eu já não tinha um pedra, quase.
00:37:02:18 – 00:37:03:03
JORGE CORREIA
Um decreto de.
00:37:03:03 – 00:37:17:16
MARCO NEVES
Lei. Era quase um de uma pedra. Mas a certa altura a pessoa que estava a fazer aquilo chegou ao final e já não tinha pedra e vê se que a letra começa a diminuir e as abreviaturas começou a aumentar e temos abreviaturas só para conseguir pôr lá o sinal, o que quer dizer que era uma questão de espaço, não tinha espaço E isso aconteceu com os SMS’s.
00:37:17:18 – 00:37:22:08
MARCO NEVES
A verdade é que hoje no WhatsApp nós vemos abreviaturas na mesma, mas já não tanto, Ou seja, a.
00:37:22:08 – 00:37:24:12
JORGE CORREIA
Gente já está a expandir a língua outra vez.
00:37:24:12 – 00:37:30:00
MARCO NEVES
Até mais. Às vezes até até escrevemos mais do que preciso, pomos mais símbolos, pomos os tais.
00:37:30:05 – 00:37:30:19
JORGE CORREIA
Os emojis.
00:37:30:19 – 00:37:39:20
MARCO NEVES
Emojis, pomos. Se a pessoa escreve uma coisa assim, sem qualquer pontuação ou só com ponto final, nós até estamos bem. Está zangada?
00:37:39:22 – 00:37:56:16
JORGE CORREIA
E eu sei que o ponto é que uma coisa que nós dizemos cara a cara, nós conseguimos avaliar o tom de voz. Lá está, temos comunicação, o gesto, a faces, as sobrancelhas. Conseguimos perceber imediatamente Aquela pessoa está zangada, está feliz.
00:37:56:19 – 00:37:57:20
MARCO NEVES
Escrita, Não conseguimos.
00:37:57:20 – 00:37:58:21
JORGE CORREIA
É na escrita, não está.
00:37:58:23 – 00:38:02:22
MARCO NEVES
E é isso. E também conhecemos os emojis.
00:38:03:01 – 00:38:03:24
JORGE CORREIA
Para tentar salvar isso.
00:38:04:04 – 00:38:16:00
MARCO NEVES
Sim, porque as pessoas dizem isto é uma forma mais primitiva de escrever. Não é bem para nós. Não raramente, a não ser por brincadeira. Nós só usamos emojis. É relativamente raro. Nós usamos precisamente para tentar substituir.
00:38:16:02 – 00:38:16:21
JORGE CORREIA
Olha que eu estou brincar.
00:38:16:21 – 00:38:38:14
MARCO NEVES
Exactamente. A pontuação começou assim a pontuação. Durante o Império Romano não havia pontuação. Vi algumas tentativas de criar pontuação, mas se nós formos ver as inscrições e os documentos, mesmo escritos durante o Império Romano, tudo seguido, sem pontuação, sem espaços, tudo seguido. É sabido, por exemplo, que o Cícero disse que a pontuação era coisa de preguiçosos. Ela só.
00:38:38:16 – 00:38:48:15
MARCO NEVES
Já vi tentativas de criar pontuação, mas isso e os miúdos agora que vão tentar? No fundo, a pontuação serviu para pôr as pausas, pôr a entoação.
00:38:48:17 – 00:38:51:11
JORGE CORREIA
Portanto, ensinar ao outro como se deve ler a frase Nós escrevemos.
00:38:51:11 – 00:38:52:09
MARCO NEVES
Exactamente, exatamente.
00:38:52:10 – 00:38:55:22
JORGE CORREIA
E Mas apareceu o Saramago que decidiu subverter aqui estas.
00:38:55:22 – 00:39:03:14
MARCO NEVES
Coisas. Mas tem vírgulas. As pessoas dizem sempre que o Saramago não tem vírgulas, mas ele usa muitas vírgulas. É um mito. Não usa as outras, usa pontos e usa vírgulas. Só isso.
00:39:03:16 – 00:39:07:01
JORGE CORREIA
Então porque é que aquilo? Porque aquela escrita nos.
00:39:07:03 – 00:39:11:00
MARCO NEVES
Não é, Porque a pontuação ali é diferente no sentido em que usa mais vírgulas do que o habitual.
00:39:11:02 – 00:39:13:02
JORGE CORREIA
Está bem escrito. Claro que está bem escrito. Obviamente que eu.
00:39:13:02 – 00:39:31:07
MARCO NEVES
Fiz uma experiência agora até para um livro que aceite uma experiência que foi pegar num texto de Saramago e pôr na pontuação regular, digamos assim, com as traduções. Com os dois pontos. Melhorou assim, assim. Percebes o que é que eu queria fazer? O que eu queria ali fazer era dar aquela sensação de quem está a contar uma história.
00:39:31:13 – 00:39:35:01
MARCO NEVES
E o Pedro disse isto em azul E a jornalista que eu ia e a Teresa disse Couto.
00:39:35:02 – 00:39:37:09
JORGE CORREIA
Portanto, obriga nos a entrar naquele ritmo de linguagem.
00:39:37:09 – 00:39:58:00
MARCO NEVES
Exatamente o ritmo que eles criam. Podemos não gostar da atenção, ninguém é obrigado a gostar, mas é uma escolha estética, digamos assim, do autor, que depois levou estas a toda esta ideia de que alguma pontuação muito irregular é que levou. E é verdade, isso é verdade. E depois levou uma segunda ideia completamente falsa, que não usava vírgulas, quando na verdade as vírgulas estão lá.
00:39:58:02 – 00:40:01:00
MARCO NEVES
Só usava vírgulas, praticamente.
00:40:01:02 – 00:40:03:24
JORGE CORREIA
Ficava com os parágrafos sempre, sempre gigantescos.
00:40:04:01 – 00:40:04:21
MARCO NEVES
É isso mesmo que sim.
00:40:05:01 – 00:40:18:09
JORGE CORREIA
Qual é o nosso problema quase psicanalítico com as vírgulas? Por que uma coisa que está uma norma gramatical que supostamente toda a gente devia entender ou aprender sobre ela e, principalmente.
00:40:18:09 – 00:40:38:10
MARCO NEVES
Difícil o ponto final. Nós conseguimos. A vírgula nunca foi assim tão sólida que também como nós pensamos, fomos ao século XIX. Os escritores também estavam ali a vaguear com as vírgulas uma para outra e também não tinham. Essa foi uma norma que basicamente foi criada para poder ser usada nas escolas. As escolas começaram a expandir se, principalmente no do século XX.
00:40:38:10 – 00:40:51:06
MARCO NEVES
Era preciso ensinar a população e teve de ser feito uma descrição que é difícil, porque, como já tentei fazer e já fiz, tentar sistematizar essa norma, temos não sei quantas.
00:40:51:12 – 00:40:52:08
JORGE CORREIA
A várias normas.
00:40:52:09 – 00:41:15:23
MARCO NEVES
Não temos não sei quantos pontos, uns dez, 11, 12 pontos para conseguimos perceber que aquilo não é normal, que seja difícil, não é? Não é Agora, porque é que ser a vírgula não é para fazer pausas? Pode ser, mas não é. Essa regra é, acima de tudo, para organizar a frase para nós podermos, por exemplo, separar uma parte da frase e perceber que aquela frase que aquela parte tem uma está num nível diferente do resto da frase.
00:41:15:23 – 00:41:20:07
JORGE CORREIA
E tudo tem sido aí. Porque? Por que? Por que é que nós lutamos com as vírgulas?
00:41:20:09 – 00:41:41:10
MARCO NEVES
Precisamente porque a vírgula e determina a melhor e mais subjetiva, ou seja, está ali dentro da frase, enquanto que a unidade de frase é muito mais fácil de entender. A vírgula necessita de uma consciência sintática um pouco mais avançada. A pessoa tem que passar um pouco mais e por isso acaba.
00:41:41:12 – 00:41:50:11
JORGE CORREIA
E por isso, volta e meia estamos a assassinar a língua. Há uma coisa muito engraçada de que eu gosto muito nos espanhóis, que é pôr o ponto de interrogação no início da frase virado ao contrário.
00:41:50:13 – 00:41:51:03
MARCO NEVES
E nós somos.
00:41:51:09 – 00:41:56:16
JORGE CORREIA
Isto é um ponto de interrogação e, portanto, a imposição desta frase a determinar uma pergunta e nós.
00:41:56:18 – 00:41:57:17
MARCO NEVES
Já usámos isso.
00:41:57:19 – 00:41:58:03
JORGE CORREIA
E deixamos.
00:41:58:03 – 00:42:02:07
MARCO NEVES
Cair? Deixámos. Foi no século XIX. Nunca foi obrigatório a atenção, nunca foi como é.
00:42:02:09 – 00:42:05:03
JORGE CORREIA
Mas podia dar jeito ou não, Eu diria.
00:42:05:05 – 00:42:15:07
MARCO NEVES
Vamos lá ver. Dava jeito precisamente daquelas frases em que os escritores portugueses usavam que era em frases grandes Quando nós temos uma frase, três, quatro linhas.
00:42:15:12 – 00:42:16:12
JORGE CORREIA
Depois chegamos à página.
00:42:16:13 – 00:42:41:21
MARCO NEVES
E depois percebemos que é uma pergunta. Aí, nesse caso dava jeito. E os escritores portugueses, aqueles que usaram esta pontuação, sempre usaram. Neste caso, nunca fizeram como fazem espanhóis, em que usam qualquer qualquer interrogação. Tem aquele ponto. Não, não vejo que seja necessário. Enfim, é uma convenção para os espanhóis. Fazem sentido para nós? Não faz não. Não vejo que seja necessário impor essa convenção.
00:42:41:21 – 00:42:46:15
MARCO NEVES
Agora, quando temos uma frase muito grande, se calhar dava jeitinho.
00:42:46:17 – 00:42:56:06
JORGE CORREIA
Olha, há uma célebre história em Portugal de um decreto lei aprovada na Assembleia da República que depois, subitamente, a vírgula é o sentido da frase. Também eu era.
00:42:56:06 – 00:43:12:06
MARCO NEVES
Muito novo como isso aconteceu. Mas lembro me talvez antecipar um interesse particular nesta questão. Lembro me que eu ouvi falar, estava sempre a falar da vírgula no telejornal. Eu não sei que idade que tínhamos. Teria uma criança, talvez. E aquilo.
00:43:12:06 – 00:43:13:06
JORGE CORREIA
Não fazia sentido, Não.
00:43:13:06 – 00:43:35:07
MARCO NEVES
Fazia sentido. Mas lembro de estar a ouvir programas, estar sentados à mesa de jantar, a ouvir o telejornal e a ouvir a vírgula ou o escândalo da vírgula. Eu confesso que não faço ideia que virou aquela aquela manhã. Até hoje não sei o que é que se passou com a vírgula, mas é um facto que às vezes tirar uma vírgula em certas frases, ficando um pequeno exemplo, mas pode mudar o sentido da frase de forma muito.
00:43:35:07 – 00:44:02:22
JORGE CORREIA
Marcada, o que é extraordinário. Eu estou a falar sobre si e a minha cabeça levou me até ao Parlamento porque me lembro sempre dos grandes tribunos, em particular na altura do pós 25 Abril. Não só mesmo antes havia, mas havia muito movimento. Como é que está? Como é que está a nossa arte de bem falar? Surgiu eloquência e assim trocamos a eloquência pelo mundo prático de nós.
00:44:03:00 – 00:44:04:05
JORGE CORREIA
Tínhamos de parecer ir embora.
00:44:04:11 – 00:44:33:04
MARCO NEVES
Temos. Damos menos valor, se calhar, a uma certa eloquência de tribuno de falar em público, eu diria, talvez por causa e isto é uma tia minha. Não, não, não é nada por causa do microfone. O que é que quer dizer com isto? Eu ainda há uns tempos tive no Parlamento uma pequena visita e estava no plenário que não é assim tão grande como às vezes nós imaginamos, mas é grande, quer dizer, alguma dimensão.
00:44:33:06 – 00:44:44:04
MARCO NEVES
E eu estava a imaginar um mundo do século do século XIX, o mundo 19. Não aquela sala no século XIX, sem microfones, sem nada. A pessoa tinha de saber colocar a voz.
00:44:44:04 – 00:44:54:12
JORGE CORREIA
Onde os deputados se levantavam para ir até à zona central para falar diretamente e muitas vezes usando as tais palavras todas, algumas delas francamente insultuosas no Parlamento, não estão aqui.
00:44:54:15 – 00:45:19:00
MARCO NEVES
Quando alguém diz que hoje os deputados insultam, insultam, só não é de hoje até bastante mais violento a tradição. Uma tradição é uma tradição. Mas tinham esta necessidade de clareza, de estrutura, de chamar a atenção sem o microfone, que é o único fator. Estou a exagerar, mas essa necessidade hoje já não é tão visível.
00:45:19:00 – 00:45:31:01
JORGE CORREIA
Todavia, a mim, pelo menos, dá me gozo ouvir alguém que bem fala. Pode ser um político, pode ser um padre a dar um sermão. É essa essa arte do bem falar é uma coisa quase, quase encantatória.
00:45:31:02 – 00:45:57:11
MARCO NEVES
Sim, é verdade. Eu aqui diria eu que diria que há uma diferença cultural entre vários países. Por exemplo, se nós formos aos países anglo saxónicos, é na França também. Tanto quanto sei, também acontece isso. Há uma certa importância na aprendizagem de falar em público. As pessoas aprendem a falar em público. Como se aprende escrever um texto? Aliás, nós todos sabemos que há uma tradição grande de fazer debates simulados.
00:45:57:11 – 00:46:21:17
MARCO NEVES
Na Inglaterra, por exemplo. Nós sabemos, por exemplo, que políticos como o Barack Obama tinham uma oratória particular que era muito bem vista e que vê se que tem um certo grau de artificialidade, mas que é bem visto que aquele que está atento temos aquele prazer de estar a ouvir alguém falar bem em Portugal eu não me parece que haja um iNEVEStimento tão grande em ensinar a falar em público.
00:46:21:19 – 00:46:25:13
MARCO NEVES
Também não estou dizer que são os professores têm culpa disso, não tem nada a ver com isso, antes pelo contrário.
00:46:25:14 – 00:46:31:10
JORGE CORREIA
Sim, mas habitualmente nós não nos lembramos na escola de ter esse estímulo.
00:46:31:12 – 00:46:38:19
MARCO NEVES
Eu não conheço, mas não me lembro de todas as linhas dos programas. Mas não é algo que os que os alunos treinem falar em.
00:46:38:19 – 00:46:42:21
JORGE CORREIA
Público e, portanto, é difícil que eles consigam chegar a um nível de excelência em que não.
00:46:43:00 – 00:47:08:17
MARCO NEVES
Há esta tradição tão forte em Portugal. E haver, temos outra. Quer dizer, todos os países, todas as culturas têm as suas preferências, tem as suas falhas. A este ponto, se calhar nós podemos melhorar um pouco, tentar falar um pouco melhor em público. Não porque o ato estético de que estavas a dizer não é só uma questão de comunicação, porque a comunicação podemos fazer de várias formas, Não é um.
00:47:08:17 – 00:47:09:06
JORGE CORREIA
Prazer.
00:47:09:07 – 00:47:10:03
MARCO NEVES
Um certo prazer.
00:47:10:05 – 00:47:10:17
JORGE CORREIA
Na fala.
00:47:10:17 – 00:47:28:18
MARCO NEVES
E na escutatória, até na estrutura. Quando muitas vezes nós dizemos nós não podemos usar muitas repetições. É verdade, na escrita as posições ficam terríveis, mas na oratória, às vezes a repetição é precisamente o segredo. Gostaria de dizer um e o dois e dizer frases que são parecidas, mas que mudam ali. Qualquer coisa que muda.
00:47:28:18 – 00:47:32:08
JORGE CORREIA
É como a música na poesia. No fundo há ali uma, há ali um determinado.
00:47:32:10 – 00:47:44:16
MARCO NEVES
E são com diferença, ou seja, repetição. Mas o que vem, o que vem a seguir já é dito de outra forma e já começamos a perceber que a pessoa quer chegar e ela está a dizer isto e pois diz aquilo e está a acrescentar a estes.
00:47:44:16 – 00:47:48:06
JORGE CORREIA
Truques, está a levar nos, está no vamos no fundo, a embalar nos de forma.
00:47:48:06 – 00:48:12:04
MARCO NEVES
Encantatória, está a encantar nos com a voz e com o ritmo. É isto tudo isto treina se e. Há uma certa ideia de que nós temos de ser muito. Mas como é que dizer naturais é o. E este ser natural por vezes confunde se com improvisar.
00:48:12:06 – 00:48:18:10
JORGE CORREIA
Lá se vai a magia, a magia das coisas. Olha o acordo ortográfico, O sol vai.
00:48:18:11 – 00:48:19:10
MARCO NEVES
Instalar.
00:48:19:12 – 00:48:22:13
JORGE CORREIA
E salvar. Isto veio atropelar definitivamente.
00:48:22:15 – 00:48:45:09
MARCO NEVES
Nós começámos a nossa conversa. Eu comecei por dizer que o grande tema é quando estávamos a conversar e eu estava a dizer que um dos grandes temas quando falamos português é os erros. Nós falamos sempre de erros. Assim, quando falamos o português. O outro grande tema sobre o português é o acordo ortográfico. É o que posso dizer a mim.
00:48:45:15 – 00:48:46:13
JORGE CORREIA
Vale a pena discutir.
00:48:46:15 – 00:49:03:01
MARCO NEVES
Eu vou dizer que neste momento eu estou cansado de discutir, porque há muito extremismo dos dois lados. A questão já está um pouco cansada, mas eu vou dizer a minha opinião. Eu acho que o ortográfico foi desnecessário e tem problemas técnicos muito.
00:49:03:03 – 00:49:07:24
JORGE CORREIA
Portanto, foi um marco político e não um ato que a língua estivesse para fazer.
00:49:08:00 – 00:49:17:16
MARCO NEVES
Não, porque vamos lá ver o que é que o acordo que está feito tentou fazer e mesmo assim de forma falhada, na minha opinião, porque se era para unificar a ortografia, para unificar a ortografia e não foi isso que aconteceu, o que o.
00:49:17:16 – 00:49:20:06
JORGE CORREIA
Permite pode dizer desta maneira, daquela maneira, eu.
00:49:20:06 – 00:49:41:17
MARCO NEVES
Acho, Como não só acontece isso como Angola e Moçambique não aprovaram neste momento, pelo menos neste momento, até temos três ortografias, quer dizer, mas já nem sequer temos. Mas a questão não é essa. A questão é ou as diferenças que existem ou não existem no português de Portugal, porque do Brasil são outras. Quer dizer, ortografia era um pormenor?
00:49:41:19 – 00:49:47:19
MARCO NEVES
Era. Bastava ter dito que a ortografia brasileira e a ortografia portuguesas são ambas legítimas para a nossa língua.
00:49:47:19 – 00:49:49:23
JORGE CORREIA
Há duas formas de de dizer a mesma coisa.
00:49:49:23 – 00:49:57:20
MARCO NEVES
Continua a haver duas formas. Por isso, na prática, eu sempre li livros brasileiros. Sempre gostei, aliás, muito de ler livros brasileiros.
00:49:57:20 – 00:49:59:05
JORGE CORREIA
E todas as traduções.
00:49:59:07 – 00:50:00:01
MARCO NEVES
As traduções.
00:50:00:03 – 00:50:04:07
JORGE CORREIA
As traduções de livros de outras línguas em em português do Brasil, isso é.
00:50:04:07 – 00:50:05:10
MARCO NEVES
Outra questão diferente.
00:50:05:10 – 00:50:15:03
JORGE CORREIA
Não sei se eu estou a provocar por causa disso. Exatamente porque nós lemos um escritor, um Jorge Amado ou lemos o escritor ou um poeta brasileiro e.
00:50:15:04 – 00:50:17:04
MARCO NEVES
Aqui a ortografia não nos impede de ler.
00:50:17:04 – 00:50:21:00
JORGE CORREIA
É bonito, é aquilo é que tem uma música e as traduções, as traduções.
00:50:21:00 – 00:50:46:14
MARCO NEVES
E a explicação é a seguinte há uma tradição que noutros países não existe de de termos mercados de tradução completamente separados, portanto, em geral com uma ou outra exceção. Atenção, Mas em geral, se nós temos um livro francês que vai ser traduzido para português e traduzido por um tradutor português para Portugal e é trazido por um tradutor brasileiro para o Brasil de forma separada.
00:50:46:14 – 00:50:47:21
JORGE CORREIA
E são diferentes. De facto, as.
00:50:47:21 – 00:51:01:07
MARCO NEVES
Cópias são diferentes. Mas atenção, a língua espanhola também é diferente. No entanto, é mais, muito mais fácil encontrar uma edição espanhola que se vende na Argentina, mesmo numa tradução do que acontece no caso do Brasil e de Portugal.
00:51:01:07 – 00:51:02:07
JORGE CORREIA
O que vai acontecer é.
00:51:02:07 – 00:51:23:01
MARCO NEVES
Uma questão de separação dos mercados, ou seja, o Brasil, o que não há aqui propriamente um culpa só De um lado os portugueses têm um. Nós temos uma relação difícil com o Brasil por vários motivos, mas uma relação intensa de amor, de ódio. Temos uma relação intensa. Os brasileiros, pelo menos até há pouco tempo, tinham uma relação mais de indiferença com Portugal.
00:51:23:01 – 00:51:25:03
MARCO NEVES
Existia as piadas. Os portugueses sabem.
00:51:25:03 – 00:51:26:00
JORGE CORREIA
Que estavam lá na Europa.
00:51:26:03 – 00:51:51:10
MARCO NEVES
Mas não é nada que seja. Quer dizer, Portugal não era e não é ainda, embora eu penso que mesmo assim as coisas estão um pouco diferentes, até por causa da internet. Mas Portugal não era uma referência para nós brasileiros, portanto não vivemos em mundos diferente, separados, enquanto que no caso da língua castelhana, o que nós temos é um arquipélago de países, nenhum deles com uma dimensão tão grande como o Brasil tem.
00:51:51:12 – 00:51:57:00
MARCO NEVES
O México é muito grande, mas não chega a perto de metade da população que fala espanhol e.
00:51:57:00 – 00:51:58:16
JORGE CORREIA
Portanto, há um peso maior deles.
00:51:58:16 – 00:52:04:20
MARCO NEVES
E tem um peso tão grande que é quase para o Brasil. O resto dos países que falam português não são um.
00:52:04:22 – 00:52:24:07
JORGE CORREIA
Têm a ver com essa dimensão. Olha, nós estamos praticamente a fechar. Vi um episódio muito curioso do teu Instagram que tinha a ver com a maneira como se escreve e a maneira como escreve. Se escrevemos da esquerda para a direita, como habitualmente acontece, da direita para a esquerda, como também existe, nomeadamente dos países árabes. E subitamente tu sacas um conto da cartola.
00:52:24:07 – 00:52:33:08
JORGE CORREIA
E foi isso que me fascinou, que é. E há aqui uma maneira de falar, de escrever, em que cada um escreve para o lado que aparecer. No fundo eu estou aqui. A caricatura.
00:52:33:10 – 00:52:35:14
MARCO NEVES
Mas estrofe é uma estrofe.
00:52:35:16 – 00:52:36:24
JORGE CORREIA
É uma chama, tem um nome pomposo.
00:52:36:24 – 00:52:52:12
MARCO NEVES
Certamente é um nome grego. Há porque muitos textos gregos antigos, mais antigos ainda do que os gregos, que tinham esta forma curiosa de escrever. Nós achamos que é perfeitamente natural escrever da esquerda para direita. Há outros outros sistemas que escrevem da direita, esquerda.
00:52:52:14 – 00:52:53:19
JORGE CORREIA
Não me parece nada natural.
00:52:53:19 – 00:53:14:14
MARCO NEVES
Hoje, mas o árabe, por exemplo, escrito da direita para a esquerda, o japonês é escrito de cima para baixo, portanto varia. Agora houve este sistema usado pelos gregos e por alguns outros povos em que se escrevia da esquerda para a direita. Isso mudava se a direção e passávamos a escrever de direita para a esquerda, como se fosse um todo, um boi a lavrar a terra.
00:53:14:16 – 00:53:28:03
MARCO NEVES
Portanto, os caracteres mudavam de direção e nós e nós víamos a linha como se fosse uma cobra na página, o que é mais interessante e eu detesto. É pena termos perdido isso. Era difícil termos, mas era uma forma de escrita muito interessante.
00:53:28:07 – 00:53:33:11
JORGE CORREIA
Olha que já tens palavras de que gostas muito e outras que te arrepiam a alma.
00:53:33:11 – 00:53:49:08
MARCO NEVES
O Há uma que me arrepia e não tem razão nenhuma a dizer. Não tem a ver com o significado significado é muito positivo, mas eu acho uma das palavras mais feias e é tudo muito subjetivo. Que ósculo quer dizer mais Uma palavra antiga não.
00:53:49:08 – 00:53:51:14
JORGE CORREIA
É, em princípio, uma palavra bonita.
00:53:51:16 – 00:54:15:19
MARCO NEVES
Eu não aguento com aquela palavra uma pessoa que pensa que vai dar um ósculo quer dizer não, não, não sei, não, não, não. Palavras que quanto a outra, eu não vou fugir à questão. Mas vou dizer que, talvez precisamente por causa de toda esta minha atividade nas redes sociais. E eu gosto mesmo de muitas palavras, mesmo das mais comuns, às vezes até o de.
00:54:15:21 – 00:54:35:16
MARCO NEVES
E ainda há poucos dias fiz um vídeo a falar sobre a frequência com que as palavras são usadas e as pessoas estavam a perguntar. Eu não respondi ainda. Essas essas e essa pergunta qual é que é a palavra mais frequente do português? E algumas, algumas pessoas estavam a dar a hipótese e mãe e coisa não. As palavras mais frequentes do português são o.
00:54:35:18 – 00:54:36:16
MARCO NEVES
O artigo definido.
00:54:36:21 – 00:54:38:03
JORGE CORREIA
A palavra de ligação.
00:54:38:05 – 00:54:57:13
MARCO NEVES
De proposição, essas é que são as mais frequentes e são palavras que existem e que são essenciais e são as peças da língua. São essas palavras. Ninguém vai dizer que essas são as palavras mais bonitas da língua, mas eu, para dizer a verdade, considero que estas peças com que nós ligamos as palavras umas às outras e que nos permitem falar, tem a sua beleza e que são muito mais importantes do que nós costumamos considerar.
00:54:57:17 – 00:54:58:21
JORGE CORREIA
Marco Neves Muito obrigado.
00:54:59:01 – 00:55:00:22
MARCO NEVES
Obrigado, eu.
186 Episoden
Alle Folgen
×Willkommen auf Player FM!
Player FM scannt gerade das Web nach Podcasts mit hoher Qualität, die du genießen kannst. Es ist die beste Podcast-App und funktioniert auf Android, iPhone und im Web. Melde dich an, um Abos geräteübergreifend zu synchronisieren.